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Publicación Carta Asiática
Relações Políticas e Econômicas entre o Brasil e a Coréia do Sul.
Gilmar Masiero

1. Introdução
Desde 1945, a Península Coreana viveu intensivos conflitos até o estabelecimento da República da Coréia, em 1948. Os conflitos persistiram e a Guerra da Coréia - entre o norte e o sul - teve início em 1950. Só terminou três anos mais tarde com o estabelecimento de uma zona desmilitarizada entre os dois países. O presidente eleito em 1948, Syngman Rhee, proclamou-se presidente vitalício em 1954 e foi forçado a se demitir em 1960 devido a fortes manifestações estudantis contra seu governo.

Durante o governo de Syngman Rhee, a exemplo do que ocorria com a economia brasileira e latino americana em geral, a Coréia do Sul buscou sua industrialização calcada em substituições de importações. Nessa época, o governo recebia grande ajuda externa e militar, principalmente dos Estados Unidos. Algumas poucas obras de modernização da infra-estrutura do país foram iniciadas e as reformas educacional e agraria implementadas.

Após um curto período de governo do Primeiro Ministro Chang Myon (Abril/60-Maio/61) o General Park Chung Hee, através de um golpe militar, estabelece o sistema presidencial e governa o país durante 19 anos até seu assassinato em 1979. Durante o governo do general Park, a Coréia através de forte promoção das exportações com a continuidade da política de substituição de importações - principalmente na indústria pesada e química nos anos 70 - apresentou grande dinamismo econômico. Nesse período o Produto Interno Bruto coreano cresceu em média 9% ao ano e atingiu o recorde histórico de 14,5% em 1973.
As duas décadas foram marcadas por grande intervenção governamental nos negócios privados (1). Vários planos qüinqüenais de desenvolvimento econômico seguidos de controles financeiros e creditícios, de controles de capital e licenças de comercialização de tecnologia e bens e serviços nutriram o crescimento de alguns poucos conglomerados privados - os chaebol (2) . Nesse sentido, o governo mobilizou a poupança doméstica e com o fim da ajuda externa passou a se utilizar de empréstimos externos, evitando sempre que possível, o investimento direto estrangeiro.

Pode-se dizer ainda que a Guerra no Vietnã contribuiu para a expansão da economia coreana devido a necessidade de suprimentos para as tropas norte-americanas em luta no país vizinho. Na década de 70, a grande presença dos grupos coreanos na construção de infra-estrutura no Oriente Médio ou mesmo no mercado doméstico com o movimento de modernização conhecido como Saemaul Undong contribui para o crescimento dos mesmos e para o desenvolvimento da Coréia.

Após o assassinato do general Park Chung Hee, em 1979, por um de seus assessores imediato, o Primeiro Ministro Choi Kyu Hah, eleito presidente por um colégio eleitoral, governou o país por 6 meses (Nov. 79 - Maio 80). Nesse período de contraditórias políticas e crescentes manifestações estudantis, a Coréia do Sul sofreu novo golpe militar e a lei marcial foi reinstituída. Em agosto de 1980, o líder do movimento militar Chun Doo Hwan foi eleito presidente e mais tarde, em 1988, seu colega de exército Roh Tae Woo o substituiu no controle do país.
Os anos 80 foram um período de gradual liberalização econômica. Respeitáveis tecnocratas procuraram reestruturar a economia sem a interferência dos militares e dos grupos privados que no período anterior justificavam suas ações nos elevados índices de crescimento econômico. Alguma liberalização foi implementada com tímidos resultados, em alguns casos a eliminação de alguns controles foi postergada ou simplesmente esquecida. Nessa década, os grupos econômicos, até então obedientes as diretrizes governamentais, passam, devido a seu tamanho e expansão internacional, a buscar maior independência e autonomia frente ao governo.
No Brasil e na América Latina em geral, nesse período, se assistiu a chamada "década perdida" e a lenta e gradual "transição democrática" comandada pelos militares. Na Coréia, os dois últimos generais presidentes responderam aos choques externos e rapidamente, sem enfrentar sérios problemas relacionados com a "crise da dívida" recolocaram o país em sua trajetória modernizante e desenvolvimentista. No final do governo Chun, por exemplo, a Coréia do Sul, novamente atingia taxas de crescimento econômico de dois dígitos. Em 1986, 87, e 88 as taxas de crescimento do PIB foram de 12,4%, 12%, e 11,5% respectivamente.

Em 1993, Kim Young Sam foi eleito presidente e governou o país até fevereiro de 1998. A economia coreana cresceu em média 6 % ao ano até 1997 quando o mundo foi surpreendido por elevadas desvalorizações cambiais em vários países asiáticos (3).
Na Coréia do Sul as desvalorizações foram superiores a 50% e os impactos sobre as atividades empresariais produtivas ainda estão sendo equacionados e absorvidos. A superação da crise financeira e econômica parece ser o principal desafio do novo presidente Kim Dae Jung.

Nos anos noventa, quer no governo de Roh ou de Kim, a Coréia do Sul buscou uma maior abertura econômica e reformas na intrincada rede de relacionamentos entre o governo e os grandes conglomerados empresariais. A atuação do governo Kim foi pautada pelo movimento político interno, concordante com o movimento mundial denominado segyehwa - globalização. Este movimento na Coréia se caracterizou pela busca de mudanças efetivas dentro do país bem como aumentar a presença coreana no mercado mundial.

Nos anos 80 e 90 os conglomerados coreanos expandiram sua atuação no mercado internacional. Marcas como Samsung, Daewoo, LG, e Hyundai tornaram-se familiares dos consumidores de todo o mundo. O desempenho destes grupos, fortemente alavancados financeiramente pelo governo, normalmente se confundem com os da economia sul coreana por serem eles os principais responsáveis pela rápida industrialização daquele país.
O desempenho dos conglomerados e da economia sul-coreana durante toda a sua trajetória de desenvolvimento tem atraído a atenção de estudiosos de todas as partes do mundo. Com a maior abertura comercial e financeira dos anos 90, tanto na Coréia quanto no Brasil o relacionamento bilateral entre ambos ganhou maior dinamismo e importância. Assim, o presente texto, primeiramente, resgata o histórico dos acordos político-diplomáticos entre os dois países e na seqüência aborda alguns números relativos aos relacionamentos econômicos e financeiros.

Notas
(1) PORTO DE OLIVEIRA, Amaury. Esplendor e Atribulações do "chaebol" . Texto apresentado no Seminário Lições da Crise Asiática: o Caso Coreano. Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. Junho de 1998
(2) Chaebol é a palavra coreana que designa grandes grupos empresariais. Em cada país os conglomerados de empresas recebem um nome específico, assim como possuem características distintas em cada região. Nesse trabalho considera-se chaebol como sendo um grande grupo privado de propriedade familiar e administrado por uma estrutura de comando composta por membros de uma mesma família.
(3) GALL, Norman. Dinheiro, Ganância e Tecnologia. Ensaio apresentado na conferência internacional sobre o Brasil e a crise asiática, organizado pelo Instituto Fernando Braudel e patrocinado pela FAAP. Edição especial do Braudel Papers. N° 20, 1998. Sobre a crise na Coréia do Sul entre as muitas e desencontradas opiniões e também pelo fato de que "the crisis is still ongoing and we do not as yet fully understand" o texto Korean Economic Crisis: Causes and Lessons de Woo Tack Kim, apresentado no Seminário Lições da Crise Asiática: o Caso Coreano, é até o momento, a melhor referência sobre o assunto


1. Relacionamento Político-Diplomático (4)
Em 1948, a República da Coréia, após o fim do regime provisório conduzido pelas Forças Armadas norte-americanas, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, foi estabelecida. O relacionamento político-diplomático do Brasil com a Coréia do Sul teve início em junho de 1949. O Brasil foi o oitavo país do mundo e o segundo latino-americano (o primeiro foi o Chile) a reconhecer oficialmente aquele país asiático.

Os motivos que levaram o Brasil a estabelecer relações diplomáticas com a República da Coréia podem ser percebidos no contexto da Guerra Fria que se seguiu à Segunda Grande Guerra. O Brasil nos anos posteriores a formação da ONU - Organizações das Nações Unidas - desempenhava suas atividades integrado ao bloco das nações ocidentais liderado pelos Estados Unidos. Este alcançava, na época, a hegemonia quase absoluta sobre todo o sistema capitalista em confronto com
o sistema socialista da União Soviética.

Em 1950, o Brasil apoiou as decisões da ONU que condenavam o conflito entre a parte norte e a parte sul da Coréia estabelecendo uma linha de crédito e enviando remédios e alimentos para a Coréia do Sul. Durante o conflito bélico na península coreana (1950-53), os Estados Unidos demandavam uma ação mais ativa do Brasil solicitando o envio de tropas.
Nem o governo Dutra (1946-51) nem Vargas, que voltou ao poder em 1951, cederam a pressão norte-americana.
Divergências ao apoio militar aos Estados Unidos na Guerra da Coréia dominavam as discussões políticas no Brasil dos anos cinqüenta devido a acordos militares de assistência, além de outros de cooperação técnica e econômica, entre o Brasil
e os Estados Unidos (5).

Durante e após o conflito bélico na Coréia, o Brasil, a exemplo dos demais países latino-americanos, sempre votou favoravelmente à Coréia do Sul. O Brasil, através do relacionamento de amizade com o governo coreano e comportamento cooperativo com os Estados Unidos atendia os interesses deste último não só na península coreana, onde era imperativo impedir a expansão do comunismo, como também na América Latina, onde era imperativo a manutenção da paz hemisférica.
Após estabelecer relações diplomáticas com a Coréia do Sul, em 1959, no início dos anos 60 o embaixador brasileiro no Japão, Décio de Moura, foi também designado para a Coréia. Em 1965, o Brasil estabeleceu sua embaixada em Seul e em 1967 designa seu primeiro representante oficial naquele país, o Embaixador Bartel Rosa. Outros países latino-americanos continuaram aproveitando seus embaixadores de forma cumulativa designando-os para Tóquio e Seul ao mesmo tempo.

A partir dos anos 60, o governo coreano passa a intensificar sua atividade diplomática - acordos e missões comerciais - com países considerados comercialmente estratégicos. Em 1962, estabelece na cidade do Rio de Janeiro, sua primeira embaixada na América Latina e a décima terceira no mundo. Mais tarde, em 1970, devido a maior demanda de serviços pelos imigrantes coreanos, instala em São Paulo, o Consulado Geral.

Em janeiro de 1961 foi criada na Coréia do Sul uma associação de emigração (6). No mesmo ano uma missão para cuidar dos projetos de emigração e do processo de instalação da embaixada em solo brasileiro chegou ao Brasil. O embaixador coreano nos Estados Unidos veio ao Brasil para a posse do Presidente Jânio Quadros. Este se mostrava receptivo à vinda de coreanos e, mesmo não se dispondo a subsidiá-los, estava disposto a ceder gratuitamente terras no norte do Brasil.
O golpe militar de 1961, na Coréia, comandado pelo general Park Chung Hee despertou o interesse de muitos sul-coreanos pela emigração. Nesse período, como também no período dos governos de Syngman Rhee (48-60) e Yun Po Sun (60-61) a insatisfação do povo coreano com suas elites era grande. Além da crescente descontinuidade da ajuda externa norte-americana, a corrupção política, os abusos de poder e as eleições presidenciais pouco transparentes eram predominantes (7). Nessa época metade do orçamento do governo dependia da ajuda externa.

O novo governo coreano apoiou de forma irrestrita o movimento migratório. A comissão Superior de Reconstrução da Coréia que substituía o Congresso durante o regime militar aprovou um projeto de lei oficializando a emigração em grupo em 1962. O governo visava com isto, e com mais um programa de controle da natalidade, reduzir rapidamente o crescimento populacional na Coréia e minimizar o impacto do baby boom do pós-guerra nas escolas e mais tarde no mercado de trabalho. Visava também reduzir o desemprego, adquirir moeda estrangeira e promover laços de cooperação com países não-comunistas.
Dessa forma, chegam ao Porto de Santos, em fevereiro de 1963, um grupo de 103 sul-coreanos e em novembro do mesmo ano mais um grupo de 350 pessoas. Estes grupos são assentados nas proximidades de Guarulhos e Mogi das Cruzes, no estado de São Paulo. No ano seguinte, outros dois grupos, totalizando 635 sul-coreanos, chegam ao Brasil e se instalam em São Paulo e no Rio de Janeiro. Nos anos de 1965 e 1966 mais 1065 chegam no Paraná e outros 3032, que chegam entre os anos de 1967 e 1970, permanecem em São Paulo.

O maior número, 4028 de imigrantes chegam ao Brasil nos anos de 1971 e 1972 (8). Após isto, registram-se ainda outros 752 entre 1973 e 1979 e mais 848 entre 1980 e 1985 (9). Além do Brasil, os Estados Unidos, Canadá, Austrália e África do Sul eram as opções dos emigrantes sul-coreanos. A preferência de destino dos emigrantes era os Estados Unidos, porém, o sistema de cotas estabelecido para os asiáticos em geral, dificultava a emigração para aquele país. O Brasil, naquela época, mais industrial e economicamente mais desenvolvido que a Coréia do Sul, apresentava-se como uma opção possível. O êxito da emigração japonesa em anos anteriores, também contribuiu para que o interesse do governo e do povo coreano pelo Brasil fosse grande.

A imigração de sul-coreanos em grupo para o Brasil, atendendo ou não a projetos oficiais dos respectivos governos foi intensa até o início dos anos 70. A partir de 1973, o governo brasileiro passa a restringir os movimentos imigratórios e, assim, muitos sul-coreanos passam a emigrar individualmente via Panamá para países vizinhos como o Paraguai e a Bolívia. Posteriormente, de forma clandestina, eles migram para o Brasil, a Argentina ou mesmo para os Estados Unidos.
Em 1980, houve nova regulamentação da lei brasileira de imigração e cerca de 4500 sul-coreanos encontravam-se em São Paulo em situação irregular. Estes sul-coreanos e outros 2500 em 1989, que ilegalmente entraram no país, via Paraguai, foram anistiados e tiveram sua situação regularizada. No início dos anos 90, a embaixada da Coréia do Sul, divulga que aproximadamente 43 mil sul-coreanos residem no Brasil. A "Revista Veja" (10), em maio de 1998, divulga que o número de imigrantes legais chega a 45 mil e o número de ilegais, segundo estimativas da Polícia Federal, chega a 35 mil.

A maior parte das metas acordadas entre o Brasil e a Coréia do Sul com respeito à emigração não foram atingidas e a imigração clandestina, desde a segunda metade dos anos 70, dificultou o relacionamento entre os dois países. Entretanto, não se pode negar que a emigração coreana em grupo para o Brasil foi o primeiro assunto prático e específico do relacionamento bilateral em que os dois países tinham interesses recíprocos. A presença dos imigrantes coreanos certamente contribuiu para o aumento das transações entre os países, especialmente as que dizem respeito ao comércio bilateral.
O Jornal "O Estado de São Paulo" (11) registra esse aumento do relacionamento entre os dois países em reportagem publicada em agosto de 1993. Segundo a reportagem, os imigrantes coreanos são proprietários de 2500 empresas instaladas no Brasil, sendo 90% delas, em São Paulo e alguns deles comandam hoje 110 tradings, fazendo transações comerciais principalmente com a Coréia do Sul, Hong Kong, Taiwan e o Japão. No total, criam, assim, cerca de 70 mil empregos no Brasil.

A "Revista Veja", acima mencionada, reforça ainda mais a presença dos coreanos nas atividades comerciais. De acordo com a revista, a colônia com cerca de 80 mil pessoas concentradas basicamente na cidade de São Paulo tem dominado o setor de confecções, até então explorado por árabes e judeus. Trabalhando em pequenas empresas de estrutura familiar, os coreanos confeccionam e comercializam 33% das roupas femininas vendidas no país. As novas gerações de sul-coreanos brasileiros, no entanto, participam a cada ano com maior ênfase das profissões liberais.

Conjuntamente ao relacionamento econômico e político-diplomático desenvolveu-se também, uma aproximação cultural entre os dois países. Nesse sentido, após o golpe militar de 1961, na Coréia do Sul, com o objetivo de apoiar o aumento da emigração para o Brasil é criada a Sociedade Cultural Brasil-Coréia. Mais tarde, em 1963, no Brasil é fundado o Instituto Cultural Brasil-Coréia, no Rio de Janeiro, com a finalidade de estimular laços de amizade e intercâmbio intelectual e artístico, além de colaborar com os respectivos governos para o bom cumprimento dos acordos culturais.
Entre as atividades desenvolvidas pelo Instituto pode-se destacar o estabelecimento de irmandade entre cidades, como, por exemplo, Seul e São Paulo desde 1977, Pusan e Rio de Janeiro desde 1985 ou mesmo Taegu e o Estado de Minas Gerais desde 1995. Destaca-se também a realização de turnês de grupos de danças tradicionais, exibições de fotografias, filmes, artes e visitas oficiais e não oficiais de comissões de amizade. O Instituto incentiva ainda o intercâmbio esportivo, principalmente do futebol e taekondo.

Todo este relacionamento cultural foi fortalecido pela assinatura em janeiro de 1966 de um Acordo Cultural entre os dois países [Ministro das Relações Exteriores Juracy Magalhães e Embaixador no Rio de Janeiro Park Tong Jin] Neste ano, com o aumento do intercâmbio e crescente emigração foi criado um curso de língua portuguesa na Universidade de Hankook em Seul e bem mais tarde, no início dos anos 90, o Departamento de Línguas Orientais da Universidade de São Paulo passou a ministrar cursos de língua coreana como parte de suas atividades de difusão cultural.
Antes do acordo cultural, o Brasil e a Coréia do Sul haviam assinado somente um acordo comercial em maio de 1963 [Ministro das Relações Exteriores Hermes Lima e Embaixador no Rio de Janeiro Park Tong Jin]. Nele os dois países não estabeleceram nenhum relacionamento especial, concordando somente que se esforçariam para o incremento do comércio bilateral e que não tratariam os produtos oriundos dos dois países de maneira diferenciada aos oriundos de terceiros países. Esse acordo ganha significado histórico pois, à exceção do acordo cultural mencionado acima, os dois países assinaram dois novos acordos somente nos anos de 1984 e 1989.

Do final dos anos 60 até a primeira metade dos anos 80, o desenvolvimento do comércio, embora lento, foi constante e gradual. Além do crescimento das relações comerciais, cresceram também o número de visitas mútuas de empresários e parlamentares. Em 1978, por exemplo, um grupo de 46 pessoas lideradas pelo deputado Jesse Pinto Freire, visitou a Coréia do Sul. Na ocasião foi estabelecida uma "Conferência Econômica Brasil-Coréia do Sul" que realizou algumas conferências para tratar de assuntos de interesse recíproco. Mais tarde, essas atividades foram incorporadas em outras comissões e acordos relacionadas com o assunto.

Em 1982, por ocasião da 37ª Assembléia Geral da ONU, os ministros das relações exteriores dos dois países se encontram em Nova York. Nesse encontro discutem a possibilidade de aquisição e doação, pelo governo coreano de duas propriedades rurais, "Poções" e "Santa Cruz" ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA. Em janeiro de 1984, em Brasília, a doação é realizada através da assinatura de acordo pelos ministros das relações exteriores dos dois países. No final dos anos 80, com a crescente abertura econômica brasileira o relacionamento político-diplomático intensificou-se. Em 1989, em Seul, foi firmada uma convenção para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de imposto sobre a renda [Embaixador Moacyr Moreira Martins Ferreira e Ministro das Relações Exteriores Choi Ho Choong] (12). Em setembro do mesmo ano, em Brasília, é assinado um memorando visando o estabelecimento de uma comissão mista para discutir e buscar uma maior cooperação entre os dois países nos anos 90 [Embaixador Kwon Tae Woong e Vice-ministro das Relações Exteriores Paulo Tarso Flecha de Lima] (13).

Desejando promover as relações bilaterais e expandir a cooperação mútua, os dois países assinaram o memorandum acima envolvendo um espectro grande de setores. Segundo o memorandum, os dois países devem aumentar os esforços para desenvolver maior cooperação econômica, comercial, agrícola, industrial, técnica, tecnológica e científica e cultural. Para facilitar o alcance desse propósito os países devem estender o necessário suporte para aumentar o contato entre suas respectivas organizações e empresas.

Para estudar projetos e planos de cooperação, o memorandum criou uma comissão conjunta para realizar sessões ordinárias em Seul e Brasília a cada dois anos de forma alternada. A comissão conjunta que pode instituir subcomissões, deve entre outras coisas, discutir e arquivar os resultados das discussões dos seguintes tópicos: a) revisão dos desenvolvimentos da cooperação mútua; b) estudo dos relatórios das subcomissões; c) troca de informações e d) estudo dos planos e propostas com respeito as possibilidades de aumento da cooperação nos campos de interesse recíproco.
No primeiro encontro em Seul, em abril de 1991, foram discutidos em três subcomissões assuntos de interesse mútuo. Entre eles, a título de exemplo, pode-se destacar na área de relações econômicas e comerciais: os esforços a serem envidados para a correção de desequilíbrios nas balanças comerciais dos dois países; o estabelecimento de acordos nas áreas de serviços aéreos, investimentos e garantia dos mesmos por empresas coreanas no Brasil; e, não só a participação do Brasil
na Expo 93 de Taejon, como também a visita de autoridades brasileiras, ligadas a Confederação Nacional da Indústria,
à Coréia do Sul.

Em uma segunda subcomissão na área da ciência e tecnologia, foram discutidos assuntos mais estritamente relacionados ao desenvolvimento científico e tecnológico dos dois países. Além de possível cooperação entre o CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e o KIST - Korean Institute for Science and Tecnology, foram analisadas propostas de maior cooperação nas áreas de novos materiais e materiais eletrônicos e uma maior aproximação na pesquisa aeronáutica e espacial. Por proposição da Fundação Oswaldo Cruz, foi discutida também uma possível cooperação no desenvolvimento de novas vacinas. Uma terceira subcomissão analisou problemas relativos a melhoria da administração consular e a possibilidade de dispensa de vistos em passaportes diplomáticos e de serviço.

Devido a importância dos assuntos discutidos nesta primeira reunião, em agosto de 1991, o Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Francisco Rezek, à convite do Ministro das Relações Exteriores da Coréia Lee Sang Ock visita Seul pela primeira vez na história do relacionamento dos dois países. Na oportunidade da visita, foi assinado um acordo de cooperação na área de ciência e tecnologia(14). No acordo são estabelecidas iniciativas relativas ao intercâmbio de informações científicas e tecnológicas, à realização de simpósios e seminários, bem como, o intercâmbio de cientistas e pessoal técnico. Além disso,
o acordo estabelece uma comissão para formular, rever e aprovar o Plano de Cooperação Científica e Tecnológica.

No mês subsequente a visita do ministro, setembro de 1991, foi estabelecido um grupo de trabalho para discutir os serviços aéreos entre os dois países. Em agosto do ano seguinte, 1992, autoridades dos dois países [Ministro das Relações Exteriores Celso Lafer e Embaixador Han Cheol Soo] assinam em Brasília um Acordo sobre Serviços Aéreos Entre e Além de Seus Respectivos Territórios. Nesta ocasião, foram também trocadas notas para a dispensa de vistos em passaportes diplomáticos
e de serviços, assunto este previamente discutido na Primeira Reunião da Comissão Mista Bilateral.
No acordo aéreo ficou estabelecido que, enquanto operando dentro das rotas específicas, as linhas aéreas designadas podem: a) voar sem aterrizar sobre o território nacional; b) parar em território nacional para outros propósitos que não os
de transporte de carga e passageiros; c) apanhar e descarregar passageiros, carga e correspondência em qualquer ponto
das rotas especificadas. As rotas especificadas foram as de qualquer ponto do Brasil para Seul e Pusam e de qualquer ponto da República da Coréia para São Paulo e Rio de Janeiro. As companhias designadas para operar nessas rotas foram
a KAL - Korean Airlines pelo lado coreano e a VASP - Viação Aérea de São Paulo, pelo lado brasileiro.

Ainda no ano de 1992, foram rubricados o Tratado de Extradição e o Acordo para a Promoção e Proteção Mútua de Investimentos entre o Brasil e a Coréia. O acordo de investimentos assinado em setembro de 1995, encoraja a criação de condições favoráveis, para investidores de ambos os países realizarem investimentos em seus territórios de acordo com as respectivas leis e regulamentações. Estabelece também que investimentos e investidores devem receber tratamento justo e desfrutar de completa proteção e segurança.

Além disso, cada país, de acordo com sua legislação, deve propiciar as autorizações necessárias para que os investimentos sejam realizados e permitir contratos de manufatura e assistência técnica, comercial, administrativa e financeira. Deve, ainda, disponibilizar autorizações requeridas para as atividades de consultores e especialistas contratados pelos investidores.
No ano de 1992, foi discutido a realização de acordos na área criminal e do turismo. O Acordo de Cooperação no Domínio do Turismo foi assinado em 1996. Nele, os países se comprometem a encorajar esforços de cooperação entre suas autoridades para a transferência de tecnologia na área do turismo, na promoção conjunta de publicidade e na troca de agentes e especialistas em turismo. Se comprometem a estruturar e promover a cooperação do setor privado dos dois países para desenvolver a infra-estrutura de viagens e turismo, como também, intensificar as comunicações e os transportes entre
os dois países.

As discussões da Comissão Mista Bilateral e a política de abertura comercial e econômica brasileira, certamente, alavancaram o relacionamento político-diplomático entre o Brasil e a Coréia nos anos 90. Em 1991, a exemplo de 1949, o Brasil não deixou de apoiar o ingresso da Coréia do Sul (juntamente com a Coréia do Norte) na ONU e exercendo um papel de liderança nesse processo.

As conversações, desde então prosseguiram de forma intensa. O crescente intercâmbio político e econômico levou o presidente sul-coreano, a convite do presidente brasileiro, a visitar o Brasil em setembro de 1996. Na oportunidade, Kim Young San, em discurso oficial, declarou que "as trocas comerciais triplicaram nos últimos três anos, chegando a US$ 3 bilhões somente no ano passado. As trocas materiais e de pessoal entre nossos dois países têm crescido continuamente desde o estabelecimento da rota aérea em 1992 entre Seul e São Paulo. Além disso, aproximadamente 40.000 imigrantes e numerosas empresas coreanas realizando negócios no Brasil, jogam um importante papel na cooperação bilateral" (15).

Na ocasião a imprensa de São Paulo divulgou notícias contraditórias quanto ao volume de capital a ser investido pelos sul-coreanos nos setores automotivo, naval, siderúrgico, eletrônico e de telecomunicações. Segundo a "Folha de São Paulo" as "cifras citadas pelos dois países são de US$ 2.3 bilhões, US$ 3 bilhões e US$ 5 bilhões" (16). Além das desencontradas cifras a serem investidas até o ano 2000, outro assunto não muito divulgado, mas bastante discutido entre os dois presidentes, foi o regime automobilístico brasileiro e a decisão do governo de impor cotas de importação aos produtos têxteis coreanos.
O jornal "O Estado de São Paulo", quando da visita de Kim Young San, informou também que, além dos investimentos das montadoras Hyundai, LG e Daewoo na indústria eletroeletrônica e de informática, o capital sul-coreano deve participar da privatização da Vale do Rio Doce. A Vale é a maior fornecedora de minério de ferro para a maior siderúrgica da Coréia do Sul, a Pohang Iron & Steel Co. Ltd. A Pohang, em associação com a Vale está investindo US$ 400 milhões na construção de uma usina de pelotização de minério de ferro em Vitória.

Na área econômica, discutiu-se a possibilidade do Eximbank coreano que assinou um acordo de US$ 20 milhões com o Bradesco e mais US$ 30 milhões com outros 4 bancos brasileiros para crédito a importações também financiar o gasoduto Brasil-Bolívia, desde que a obra tenha participação de companhias coreanas. Empresários dos dois países assinaram um acordo de cooperação entre a Confederação Nacional da Indústria - CNI e a The Small and Medium Industry Promotion Corporation - SMIPC. As duas instituições acordaram em cooperar nas áreas de transferência de tecnologia e investimentos entre as pequenas e médias empresas dos dois países.

Na esfera político-diplomática, autoridades dos dois países [MRE Luiz Felipe Lampreia e MNE Gong Ro Myung] firmaram, em Brasília em 11 de Setembro de 1996, um Memorandum de Entendimento para Consultas Políticas(17). As partes decidiram estabelecer consultas políticas de alto nível entre representantes dos dois países, de forma alternada em Brasília e em Seul, com periodicidade anual, ou com maior freqüência, caso as circunstâncias exijam. Além dos encontros regulares, o memorandum prevê a organização de encontros de peritos e grupos de trabalhos especiais, para estudar questões de interesse comum. Um desses grupos é a Comissão Coréia-Brasil Século XXI que, desde então, já se reuniu em três oportunidades (18).

Este quadro de crescente relacionamento, não só político diplomático mas também econômico e financeiro entre o Brasil e a Coréia do Sul, sofreu grande impacto na segunda metade de 1997. Neste ano, o mundo foi surpreendido com a "Crise Asiática". Por diversificadas causas, diferentes países asiáticos, como a Tailândia, a Indonésia e a Malásia foram forçados a desvalorizar radicalmente suas moedas. Além destes países, a Coréia do Sul, também teve que desvalorizar o Won em mais de 50%. Seus relacionamentos com o mercado interno, como também com o internacional, precisaram ser reestruturados e esforços desde então vem sendo despendidos para a superação da crise.

Notas

(4) Quando não especificado, todo este ítem é desenvolvido a partir do Korean Annual, do Almanaque Abril e de LEE, Sangki. Brasil e Coréia do Sul: aspectos político-econômicos do relacionamento bilateral. Dissertação de Mestrado. Brasília: UnB, 1995.
(5) Antes do final de 1950, um acordo entre o Brasil e os Estados Unidos criou a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos para o Desenvolvimento Econômico. Esta comissão desenvolve suas atividades até o final de 1953.
(6) CHOI, Keum Joa. Além do arco-iris: a imigração coreana no Brasil. Dissertação de Mestrado. São Paulo: USP, 1991. pp. 34-37.
(7) CLIFFORD, Mark L. Troubled Tiger: Businessmen, Bureaucrats and Generals in South Korea. London: Sharpe, 1994. Os capítulos 3 e 6 enfatizam a corrupção existente na época.
(8) Possívelmente uma das causas do crescimento da imigração esta associada a declaração da lei marcial no ano de 1972 pelo general Park Chung Hee e o estabelecimento da nova constituição denominada de Yushin - Revitalização.
(9) CHOI, Keum Joa. Além do arco-iris: ... pp.49-85.
(10) Revista Veja. Especial: O enigma dos coreanos no Brasil. 13 de maio, 1998. Pp 54-58.
(11) O Estado de São Paulo, Economia, p.6. 09 de Agosto, 1993.
(12) DOU, terça-feira, 3 de dezembro 1991. Seção 1. p. 27570.
(13) Este e os próximos parágrafos, quando não especificado, foram sistematizados a partir dos próprios acordos pesquisados junto ao Consulado Geral da Coréia em São Paulo e em entrevistas com o Cônsul Won Chong On e o Cônsul Jun Dae Chun em Junho de 1998. Além deles muitas informações foram disponibilizadas por Cristina Campos, secretária-executiva do Consulado Geral da Coréia em São Paulo.
(14) DOU. Segunda-feira, 8 fevereiro 1993 Seção 1. p.1662.
(15) Korea´s Quest for Reform and Globalization: Selected Speches of President Kim Young San. Vol. II. Office of the President. The Republic of Korea, 1997.
(16) Folha de São Paulo, 12 de setembro, 1996. 2. p.9.
(17) Diário Oficial Nº 182. Quarta-feira, 18 Set. 1996.
(18) Na segunda reunião em Seul em 12 de Novembro de 1997 foram discutidos entre outros os seguintes assuntos: no campo industrial e econômico: a) trocas de informações sobre o sistema bancário; b) indicação de apropriadas áreas para investimentos brasileiros na Coréia; c) indústrias tecnológicas de informação de telecomunicações; d) cooperação entre pequenas e médias empresas. Na área de ciência e tecnologia: a) padrões industriais; b) biotecnologia; c) física: o Laboratório de Ligth Syncroton. E na área Educacional e Cultural: a) modalidades de cooperação e áreas prioritárias para as trocas bilaterais; b) troca de informações sobre instituições culturais e eventos de interesse dos dois países


3. Relacionamento Econômico-Financeiro
Nos anos 50, o intercâmbio comercial entre o Brasil e a Coréia do Sul, a exceção da ajuda em material e medicamentos na Guerra da Coréia, foi praticamente inexistente. Dados da CACEX - Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil, informam que foi somente em 1958 que uma tímida exportação de café e alguns produtos químicos, no valor de US$ 12.700, foi efetivada. Em 1960, as exportações atingem a cifra de US$ 800.000 e ultrapassam a marca de US$ 1 milhão em 1962. Desde então, as exportações são descontinuadas ou inexistentes até 1968, quando são registrados US$ 1.3 milhões (19). O acordo comercial assinado em 1963, parece não ter contribuído para um maior volume de trocas comerciais entre os dois países durante toda a década de 60.

O comércio bilateral nos anos 60, limitou-se a exportação de açúcar, arroz, produtos farmacêuticos, produtos têxteis e máquinas de costura do lado brasileiro. As exportações coreanas para o Brasil, caracterizavam-se por diferentes matérias-primas de origem vegetal, como por exemplo a alga, por produtos químicos orgânicos e por perucas. Muitos dos produtos importados pelo Brasil, principalmente alimentos tradicionais da Coréia, estão associados ao fenômeno da imigração de sul-coreanos para o Brasil ao longo dos anos 60 e 70.

Nos anos 70, ocorre um crescimento significativo nas trocas comerciais entre os dois países. De acordo com dados do Korean Statistical Yearbook (20), as exportações coreanas para o Brasil cresceram ininterruptamente na primeira metade da década de 70 até atingir a cifra de US$ 25 milhões. Produtos de borracha (como por exemplo, pneus e câmaras), e ferro e aço, até então inexistentes na pauta de exportações, foram predominantes neste ano. A partir de então, as trocas declinaram e se limitaram a aproximadamente US$ 5 milhões, em média, durante a segunda metade da década. Do lado brasileiro, as exportações foram crescentes durante todo o período e alcançaram a cifra de US$ 30 milhões em 1978 e mais que o dobro desse valor no ano seguinte.

Embora o volume de trocas comerciais entre os dois países tenha aumentado durante os anos 70, em termos relativos os percentuais não foram superiores aos da década anterior. Observa-se porém, que o Brasil ficou deficitário no balanço comercial com a Coréia de 1972 a 1975. Nesse período, ou mais especificamente de 1967 a 1974 o Brasil obteve grande crescimento econômico.

O sucesso ou "milagre" econômico brasileiro foi seguido de vários choques externos, como os do petróleo, a redução do crescimento mundial desde os anos 70 e o crescimento da dívida externa acompanhada da elevação dos juros internacionais (21) . Estes fatores, somados a outros problemas político-econômicos internos, impediram o crescimento prolongado e descontinuaram as importações de pneus, ferro e aço, produtos têxteis, produtos químicos, máquinas e metais comuns e principalmente de relógios de pulso. No ano de 1976, somente este produto chegou a representar 67% do total das exportações coreanas para o Brasil.

No final dos anos 70, a Coréia do Sul ampliou suas importações do Brasil. Nos anos de 1978 e 79 novos produtos como o farelo de soja, o suco de laranja, o ferro e aço e os semi-manufaturados de ferro fundido, foram incorporados a pauta de importações coreana. Dos insignificantes percentuais de produtos importados do Brasil sobre o volume total de importações da década de 60 (0,08 % em 1962), a Coréia do Sul chega, ao final da década de 70, demonstrando um expressivo crescimento (0,30 % em 1979) (22).

As relações comerciais nos anos 70, embora com maior volume e diversificação de produtos trocados foi muito irregular. Alguma regularidade foi conseguida na exportação brasileira de café, algodão, linho, hematita, máquinas e equipamentos e na parte coreana, na exportação de tecidos de fibras sintéticas, produtos químicos orgânicos, ferro e aço, máquinas, equipamentos elétricos e mecânicos e relógios. Produtos brasileiros, como o farelo de soja, o suco de laranja e a pasta química de madeira conseguiram regularidade na pauta de exportação somente na virada dos anos 80.

A maioria dos produtos brasileiros exportados para a Coréia do Sul, principalmente matérias-primas e produtos industriais semi-manufaturados era destinada a utilização industrial. Já, a maior parte das exportações coreanas para o Brasil caracterizava-se por bens de consumo como os anteriormente citados relógios de pulso, pneus e câmaras e materiais têxteis. Esta diferenciada pauta comercial reflete diferentes estágios de desenvolvimento econômico dos dois países ao longo de seus processos de industrialização. Reflete, também, políticas comerciais que, enquanto na Coréia do Sul privilegiam a produção, no Brasil, ao contrário, dão prioridade ao consumo.

Nos anos 80, as exportações brasileiras para a Coréia do Sul cresceram de forma gradual durante toda a década, ultrapassando a 1% do total de produtos importados pela Coréia em 1989. As importações por sua vez, embora tenham mais que dobrado nesse ano em relação ao ano anterior, não apresentaram regularidade e crescimento expressivo. No final da década as importações brasileiras em média não ultrapassaram o percentual da década anterior e o saldo comercial foi favorável ao Brasil ao longo de toda a década de 80.

É provável que os saldos comerciais positivos na balança comercial tenham se repetido nos demais países latino-americanos. Durante a "década perdida" na América Latina, vários governos implementaram agressivas políticas comerciais exportadoras no sentido de gerar divisas para o pagamento de seus compromissos com os credores internacionais. Por outro lado, devido as crises do petróleo, a Coréia do Sul, buscou uma maior diversificação das fontes de fornecimento de recursos naturais. México e Equador, por exemplo, passaram a fornecer petróleo e o Brasil ampliou o fornecimento de recursos minerais metálicos.

A Coréia do Sul dos anos 80, no governo do general Chun Doo Hwan, deu início a um tímido processo de liberalização comercial e financeira. Tradicionalmente o país tem se utilizado de maneira extensiva de regulações e restrições comerciais, tanto quantitativas quanto qualitativas. O regime comercial importador coreano funcionava de forma dual: relativamente livre para os exportadores e restritivo de importações para o consumo doméstico. Com o novo governo, alguma liberalização foi implementada, principalmente no que diz respeito a proteção dos monopólios e oligopólios. A lei Comercial e de Regulação dos Monopólios foi instituída em 1981 (23).

Ferro e aço, celulose, álcool etílico, farelo de soja, açúcar e produtos químicos orgânicos foram os principais produtos exportados para a Coréia ao longo dos anos 80. Ferro e aço e o mineral hematita foram responsáveis por mais de 50% das exportações ao longo de toda a década. Nos anos de 1986 a 1988 esse percentual foi superior a 75%. Nesses anos a Coréia do Sul apresentou grande crescimento econômico chegando a 12,4 %, 12.0 % e 11,5 % de expansão de seu PIB. Esse elevado crescimento econômico contribuiu para consolidar a Coréia do Sul como sendo o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, na Ásia. Japão e China foram os dois maiores.

O Japão tem sido o principal parceiro comercial do Brasil na Ásia. Em média, durante a década de 80, 5 % das importações brasileiras eram provenientes do Japão, 2 % da China e 0,06 % da Coréia. Já, as exportações em média foram aproximadamente de 6%, 1,5%, e 0,60% respectivamente (24). As exportações brasileiras foram predominantemente de produtos minerais e agrícolas enquanto que as importações, na quase sua totalidade, de produtos industrializados.
A partir de 1990, a Coréia do Sul ultrapassa a China e torna-se o segundo maior parceiro comercial brasileiro na Ásia. As importações e exportações brasileiras crescem não só em volume como também em termos relativos em relação ao principal parceiro comercial na Ásia, o Japão. As exportações crescem de 1991 a 1996 em 25% e as importações em 800%. Pela segunda vez na história do relacionamento comercial entre o Brasil e a Coréia do Sul, desde 1995, registram-se déficits na balança comercial brasileira nas trocas com a Coréia.

Foram vários os fatores que contribuíram para a expansão do relacionamento comercial entre os dois países. Em 1990, por exemplo, o governo Collor reduz de forma unilateral as tarifas alfandegárias como uma das medidas de seu plano de reforma econômica. Os vários acordos de cooperação assinados no final dos anos 80 e início dos anos 90 também auxiliaram a dinamizar o comércio. Além deles, é na década de 90 que os investimentos diretos sul-coreanos, quer na formação de joint-ventures com empresas brasileiras, na expansão ou criação de escritórios para prospeção de oportunidades comerciais ou ainda no estabelecimento de unidades industriais tem início.

No que diz respeito aos produtos exportados não se registram grandes diferenças entre os anos 80 e 90. Observa-se porém que a hematita que chegou a representar mais que 50% das exportações no início dos anos 80, passou a representar em média 25% das mesmas nos anos 90. Ferro e aço desde 1986 representaram aproximadamente 45% e produtos agrícolas como o café cru, o suco de laranja concentrado e a soja, mantiveram sua participação em torno de 15% (25).
Máquinas, instrumentos eletroeletrônicos e mecânicos, continuaram, nos anos 90, a exemplo dos 80, a ocupar em média 65% da pauta de importações brasileiras da Coréia do Sul. Relatórios internos da Kotra informam que aproximadamente 50% deste grupo é composto de aparelhos eletroeletrônicos para consumo doméstico. Os outros 50% são compostos de equipamentos de uso industrial e peças e componentes com participação de 20% e 30% respectivamente.

Outro item que começa a ganhar importância na pauta de importações da Coréia do Sul nos anos 90 é o de material de transporte. Veículos automotores começaram a ser importados em 1987 e ainda timidamente em 1991. Em 1992 a Hyundai Motors Co Ltd., a Kia Motors Corp. e a Ssanyoung Motors. Co Ltd. começam a comercializar seus produtos no mercado brasileiro. Asia Motors Co Ltd. e Daewoo Motors Co Ltd. iniciam a comercialização de peças e componentes e veículos automotores em 1994. Em 1993, o item material de transporte já alcançava 10% das importações totais do Brasil da Coréia.
Desde 1993, as importações iniciaram um crescimento vigoroso, crescendo aproximadamente 900% entre 1992 e 1995. Por duas décadas, desde o início dos anos 70 a balança comercial brasileira em relação a Coréia foi superavitária. Em 1996, as importações totalizaram US$ 1,2 bilhão e o déficit comercial foi da ordem de US$ 317 milhões. Nesse ano, a Coréia do Sul, como oitavo mercado exportador brasileiro respondia por 1,8% das vendas externas que correspondiam a US$ 838 milhões.

No ano seguinte, de acordo com dados da SECEX - Secretária de Comércio Exterior, a Coréia foi o 9° (participação de 2,2%) parceiro comercial do Brasil no que diz respeito as importações e o 18° (participação de 1,4%) receptor de produtos exportados. Do lado das importações Estados Unidos, Argentina e Alemanha e das exportações, Estados Unidos, Argentina e Holanda (porto de entrada de mercadorias para o demais países da Comunidade Européia) são pela ordem os três principais parceiros comerciais brasileiros.

Do lado coreano o dinamismo comercial dos anos 90 e das décadas anteriores tem sido incentivado pela Kotra- Korea Trade Promotion Cooperation desde 1962. A Kotra, órgão público de pesquisa e assessoria do governo coreano na área de comércio internacional tem como objetivo promover o comércio exterior e a cooperação econômica entre governos e empresas. Iniciou seus trabalhos no Brasil em 1969 e desde 1973 possui um escritório em São Paulo para coordenar e promover esforços de aproximação e intercâmbio comercial e de investimentos entre a Coréia do Sul e o Brasil.
A Kotra tem incentivado o intercâmbio comercial da Coréia do Sul não só com o Brasil mas também com todos os demais países latino-americanos. O grau de importância do Brasil nas relações comerciais e sua liderança na América Latina, foram fatores determinantes para que o governo coreano resolvesse criar um escritório regional para a América Latina da Kotra. Assim, todos os escritórios comerciais latino-americanos, incluindo o de São Paulo, estão subordinados ao escritório central de São Paulo.

Esses escritórios incentivaram o dinamismo comercial na região que cresceu lenta e gradualmente até 1990. Desde então ganhou forte dinamismo chegando a triplicar o montante monetário das trocas entre 90 e 95. Até 1990 pode-se dizer que similares estágios de desenvolvimento com pouca complementaridade, e diferentes políticas industriais e comerciais - substituidora de importações versus orientada para a exportação - dificultaram um maior intercâmbio comercial. Instabilidade econômica e restrições ao comércio e investimentos externos também contribuíram para o reduzido intercâmbio comercial e de investimentos.

Nos anos 90, o grande crescimento das trocas comerciais pode ser explicado pela redução das taxas e barreiras não-tarifárias, pelo aumento da demanda devido a relativa valorização das moedas latino-americanas em relação ao dólar e pela maior liberalização dos regimes comerciais e de investimentos em praticamente todos os países da América Latina. Do lado coreano, além da forte apreciação do Won, produtos eletrônicos, têxteis, automotivos e aço, fundamentalmente através da produção em grande escala obtiveram vantagens competitivas e foram largamente exportados para todo o mundo.
Muitas destas exportações foram acompanhadas pelos investimentos diretos das empresas coreanas nos mercados latino-americanos. Os investimentos que em 1980 eram de somente US$ 4,6 milhões chegam ao montante de US$ 337 milhões em 1995 (26). Ainda segundo dados da mesma fonte, embora os investimentos sul coreanos tenham sido relativamente superiores nas demais regiões geográficas do mundo, como também nos demais países latino-americanos como por exemplo, Panamá, México, Argentina, e Chile, chegaram no Brasil, em 1996, ao montante de US$ 63 milhões.

Os investimentos e reinvestimentos coreanos no Brasil direcionados para a indústria de transformação - material elétrico, eletrônico, comunicação, químico e de serviços - consultoria e administração de bens, foram da ordem de US$ 1,159 milhão nos anos de 1991 a 1993. Esse valor foi de US$ 3,16 milhões em 1994 e em 1995 atingiu US$ 4,38 milhões (27).
De acordo com o Censo de Capitais do Banco Central do Brasil (28) o estoque de capital coreano no Brasil em 1995 era de US$ 3,8 milhões. Os fluxos de investimentos foram crescentes nos anos subsequentes na ordem de US$ 63,3 milhões em 1996 e US$ 91,3 milhões em 1997. O relatório observa que os investimentos estrangeiros diretos realizados nos últimos dois anos por vários países como Portugal, Espanha e Coréia do Sul, superaram amplamente o estoque existente em 1995. Ressalta também que, no caso da Coréia do Sul, o estoque de investimentos existentes era praticamente nulo.

Esses investimentos, embora pouco expressivos se considerados o estoque total de investimentos diretos estrangeiros em 1995 de US$ 42.530 bilhões ou o fluxo de US$ 7.665 bilhões em 1996 e US$ 15.311 bilhões em 1997 tem contribuído para a expansão da indústria brasileira. Os setores receptores desses investimentos, o automobilístico, o eletroeletrônico e o de informática consolidam o processo de inserção das empresas coreanas no mercado brasileiro. Esse processo, via de regra, teve inicio com a exportação de produtos coreanos para o Brasil, a abertura de escritórios comerciais, o desenvolvimento de canais de distribuição e redes de assistência técnica e finalmente a produção e montagem local.

Notas
(19) Banco do Brasil, Intercâmbio comercial: 1953-76. vol.1 Rio de Janeiro: Cacex, 1977
(20) Dados sistematizados e apresentados por Sangki Lee em Brasil e Coréia do Sul: Aspectos Político-Econômicos do Relacionamento Bilateral. Dissertação de Mestrado. Universidade de Brasília, 1995. Tabela 3.4. p.78..
(21) NEMBHARD, Jessica Gordon. Capital Control, Financial Regulation, and Industrial Policy in South Korea and Brazil. London: Praeger, 1996. p. 125.
(22) Valores calculados a partir de dados do Korean Statistical Yearbook apresentados por Lee.
(23) NEMBHARD, Jessica Gordon. Capital Control, Financial Regulation, and Industrial Policy in South Korea and Brazil. London: Praeger, 1996. p.82 .
(24) . LEE, Tabela 3.11 p. 92
(25) Os números deste e do paragráfo seguinte foram disponibilizados por Marcos Ribeiros da Kotra em entrevista realizada em Junho de 98.
(26) TAIK. Hwan Jyoung. Korean Investments in Latin America. Texto apresentado na Conferência Regional Integration in the Americas and the Pacific Rim. San Diego: University of California, March 1997. http://orpheus. ucsd.edu/las/prrptk.htm.
(27) Banco Central do Brasil. Dados fornecidos pelo FIRCE/DVAP em 08/05/98..
(28) . http://www.bcb.gov.br/htms/censo/evolução.htm


4. Considerações Finais
Após quatro décadas de dinamismo econômico, crescimento sustentado e expansão do comércio internacional, a economia coreana passou a enfrentar uma crise severa a partir de outubro de 1997. De uma crise regional, asiática, a mesma repercutiu em todos os mercados internacionais e hoje continua a preocupar empresas e governos, quer de países centrais, quer emergentes. Sob a liderança de seu novo presidente Kim Dae-jung, em 1998, a Coréia tem demonstrado grande unidade e determinação para superar as dificuldades e retomar sua trajetória de desenvolvimento. A nova administração do país acelerou as reformas em curso e outras demandadas pelos organismos multilaterais para restabelecer a confiança interna e externa visando a atração de maiores volumes de capital estrangeiro.

Entre as muitas medidas tomadas destacam-se: a total liberalização dos investimentos estrangeiros que podem adquirir o controle total das empresas domésticas; a criação de um sistema de suporte aos investidores que disponibiliza o encaminhamento e a aprovação, de uma só vez, de todos os procedimentos necessários para se operar uma empresa no país; o estabelecimento de um Fundo de Promoção de Investimentos e, entre outras medidas institucionais criou zonas especiais de investimentos. Algumas dessas medidas se assemelham as tomadas por vários governos latino-americanos, especialmente, o brasileiro, quando da criação do regime automotivo para a região sul e nordeste (29).

O período de redução ou isenção de taxas e impostos para os investidores estrangeiros foi estendido de 8 para 10 anos (100% de isenção para os 7 primeiros lucrativos anos e 50% para os próximos 3), podendo alcançar 15 anos caso os governos locais o desejarem. O período de utilização gratuita de suas terras, não só nas zonas de investimentos estrangeiros mas também, nos demais parques industriais foi ampliado de 20 para 50 anos, podendo este prazo ser estendido para mais 50 anos. Subsídios governamentais e suporte para a capacitação da mão-de-obra estão sendo disponibilizados de acordo com o volume de empregos criados.

Os esforços governamentais para a superação da crise e a retomada do processo de desenvolvimento econômico podem ser vistos, também, na atuação de sua principal agência de promoção de comércio e investimentos, a KOTRA. Sua rede de 115 escritórios espalhados por 79 países em 1997, será ampliada para 172 escritórios operando em 101 países até o ano 2000. Informações recentes, coletadas em entrevista com a diretoria da agência de São Paulo, reforçam o esforço de ampliação das trocas comerciais coreanas. Enquanto de janeiro a julho de 1997, a agência organizou 60 missões comerciais para visitar o Brasil, no mesmo período de 1998, mais de 90 delas visitaram o país.

Para assistir o governo e as companhias coreanas na formulação de efetivos planos de inserção em diferentes mercados domésticos, a KOTRA estabeleceu estratégias de longo prazo considerando diversas características e classes de regiões. Países como China, Índia e Rússia foram definidos como novos grandes mercados emergentes, enquanto Estados Unidos, Japão e União Européia, como mercados maduros. Para cada mercado foram desenvolvidas estratégias de penetração em cooperação com cada escritório local no sentido de apoiar as empresas coreanas em suas estratégias de inserção nesses mercados. Normalmente, a agência estuda possibilidades de estabelecimento de infra-estrutura - complexos industriais e centros de distribuição, para facilitar a entrada ou, simplesmente, uma maior presença de empresas e produtos coreanos em mercados selecionados.

Os diversificados grupos, dependendo de seu porte e presença nos demais mercados do mundo possuem diferentes estratégias e interesses nos mercados latino americanos e brasileiro. Com a crise coreana recente, vários mercados asiáticos tradicionais foram perdidos e o interesse por uma maior presença comercial e industrial nos mercados sul-americanos aumentou. Após o impacto inicial da falta de liquidez e de reestruturações ainda em curso em alguns grandes conglomerados, os mesmos querem ampliar sua presença nos mercados latinos. Nesta direção, o presidente da Hyundai, foi taxativo, quando afirma que seu grupo é muito maior que uma simples crise financeira e que sua empresa busca realizar projetos de infra-estrutura de grandes dimensões.

Empresas de engenharia e construção deste ou daquele grande grupo sul-coreano, como o Hyundai ou o Sankyong, aumentaram seu interesse pelo mercado brasileiro no que diz respeito a construção de obras de infra-estrutura. Desde a formulação e divulgação dos vários projetos do "Brasil em Ação," pelo governo brasileiro, estas empresas tem buscado ampliar sua atuação na implementação destes projetos, quer como executores diretos, quer em parcerias com empresas brasileiras ou, simplesmente, como fornecedores de equipamentos e materiais.
A atuação destas empresas no mercado brasileiro, com contratos da ordem de US$ 200 milhões com a Petrobrás, por exemplo, pode ser considerada tímida quando contrastado com contratos da ordem de US$ 25 bilhões com a Pemex mexicana. Não só o maior porte, neste caso, da empresa mexicana, mas também, incentivos especiais para as empresas se instalarem nas zonas de processamento de exportações, nas maquiladoras, tem direcionado os investimentos sul-coreanos na América Latina. Até os anos noventa, os investimentos eram voltados para a extração e exportação de matérias-primas e, desde então, o foco tem sido redirecionado para a instalação de plantas industriais em zonas francas. Isto vem acontecendo para as empresas não só evitarem barreiras à entrada nos mercados emergentes mas também atuar em escala global com produção local.

A busca pelos incentivos fiscais e outros benefícios, oferecidos pelos governos de países considerados emergentes parece ser fator determinante na instalação de novas plantas coreanas em solo latino-americano ou brasileiro. Com o objetivo de maior penetração de seus produtos no mercado norte-americano a presença do complexo industrial do Grupo Samsung na zona especial de exportação de Tijuana, no México, é uma evidência indiscutível. Suas instalações na Zona Franca de Manaus, no Brasil também seguem a mesma orientação. Seus atuais planos de expansão no mercado argentino também levam em conta a existência de pesados incentivos governamentais. A Hyundai Motors do Brasil, também decidiu investir na construção de sua fábrica na Bahia devido a fortes incentivos fiscais contemplados no regime automotivo brasileiro.
Os Grupos Daewoo e LG priorizaram instalar suas fábricas próximo do maior mercado consumidor da América Latina, o Estado de São Paulo. As estratégias de localização e comercialização dos bens e serviços das empresas coreanas operando no Brasil, seguem as diretrizes da corporação e, em muitas delas, os impactos da crise financeira levaram a suspensão de vários planos e projetos de implementação de novas fábricas. Praticamente todas as empresas suspenderam temporariamente ou redirecionaram seus recursos para diferentes áreas de atividade ou comercialização de diferentes linhas de produtos. Algumas delas, visando reduzir custos, como a Kolon, a Semo, a Seungwo e a Ssangyong deixaram de operar no país.
Mais que a proximidade com o mercado consumidor ou a existência deste ou daquele incentivo governamental, a situação econômica e financeira de todo o grupo, e não desta ou daquela empresa pertencente ao mesmo é determinante para a sua maior ou menor presença no Brasil. Esta presença tem também crescido, desde os anos noventa, com a maior liberalização dos mercado brasileiro e com a criação do Mercosul.

As perspectivas de maior estabilidade política e econômica no cone sul associadas a forte movimento político em busca da globalização, desencadeado pela presidente Kim Young Sam desde sua participação em novembro de 1994, em Bogor na Indonésia na segunda reunião de cúpula da APEC - Ásia Pacific Economic Cooperation levaram as empresas coreanas a se instalarem nesses mercados ou ampliarem sua presença comercial via maior intercâmbio exportador e importador.
A desenfreada busca pela globalização das empresas coreanas certamente é uma das principais variáveis explicativas da recente crise financeira que temporariamente reduziu o dinamismo econômico da Coréia do Sul. As grandes empresas coreanas, ao longo de sua trajetória de crescimento, sempre atenderam os apelos e as diretrizes do governo. Recebiam em troca toda forma de subsídios creditícios e proteção do mercado doméstico. Quando surgiam dificuldades financeiras o governo sempre foi o emprestador de última instância. Na recente crise, porém, elevados compromissos de curto prazo não puderam ser cumpridos e o governo já não queria, e não podia, mais implementar velhas políticas intervencionistas. Para ele, a Coréia precisa se adequar ao fenômeno da globalização.

Na literatura administrativa, o termo globalização é utilizado para descrever a emergência de integrados sistemas de produção e comercialização nos últimos 15 anos. Esses sistemas procuram obter vantagens da nova divisão do trabalho advinda do fim da Guerra Fria e dos progressos da indústria das telecomunicações, principalmente dos associados ao processamento eletrônico de dados e à utilização intensiva da microeletrônica. Globalização é também descrita como sendo a emergência de um mercado global sem as tradicionais fronteiras nacionais.

Independente do uso descritivo do termo globalização pela literatura e pelos executivos vinculados às grandes corporações, o fenômeno é real e os governos dos diferentes países precisam ajustar suas políticas e instituições para enfrentar os desafios e explorar as oportunidades do acelerado processo de mudanças que o fenômeno vem ocasionando. O processo ganhou momento com o fim dos fracos acordos multilaterais no âmbito do GATT e a conseqüente criação de um sistema mais forte e complexo de regulação do comércio internacional centrado na OMC.

Este comércio é fundamentalmente realizado pelas grandes empresas transnacionais, como é o caso dos grandes conglomerados sul-coreanos, que instalam suas fábricas e escritórios em todas as partes do mundo. O fluxo de comércio e investimentos das empresas coreanas e brasileiras aumentou sensivelmente nos anos 90. A crise financeira asiática e a brasileira no início de 1999 afetou negativamente este fluxo, mas é de se esperar, que a dinâmica do comércio e investimentos entre os dois países, retome sua tendência de crescimento acelerado em curto espaço de tempo.
Estudar o relacionamento do Brasil com os demais países asiáticos, onde, mesmo após a crise asiática, concentra-se o maior dinamismo econômico mundial, é imperativo. É provável que o resultado de todos os estudos, como este realizado com relação a Coréia do Sul, indique que para uma maior integração do país nos mercados mundiais, o Brasil deva desenvolver seus próprios grandes grupos privados e dinamizar suas sempre inconstantes políticas governamentais como também suas lentas e pesadas estruturas burocráticas

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