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Publicación Carta Asiática
Relações Brasil-Japão: Aproximações e Distanciamentos.
Autor: Alejandro Ratsuo Uehara

1. Introdução
O Japão é um país que vem passando por um processo de internacionalização desde 1853, quando foi obrigado a se abrir para o comércio internacional, cedendo às ameaças de ataque da frota militar dos EUA, comandadas pelo Comodoro Perry. Essa abertura quebrou um longo período de isolamento internacional do Japão, no qual o seu relacionamento com o mundo ocidental era mínimo, restrito às trocas comerciais com a Holanda pelo porto de Dejima, em Nagasaki.

Pouco tempo depois à abertura ocorreu a Restauração Meiji em 1867, a qual proporcionou condições para grandes transformações internas e às relações externas do Japão. Com o objetivo de alcançar maior desenvolvimento econômico, social e tecnológico, os interesses japoneses projetaram-se para além dos limites da Ásia. A extensão desses interesses trouxe ao território brasileiro um comissário do Ministério das Relações Exteriores do Japão, Sho Nemoto, que visitou alguns Estados do país - Bahia, Minas Gerais, Pernambuco, São Paulo, em 1893 (NAKASUMI & YAMASHIRO, 1992). As boas impressões do comissário favoreceram a aproximação entre os dois países, conduzindo à formalização do início das relações Brasil-Japão com a assinatura do Tratado de Amizade, Comércio e Navegação entre os dois países, no dia 5 de outubro de 1895, em Paris.
Desde então, as relações nipo-brasileiras, ao mesmo tempo que sofrem momentos de aproximação de distanciamento, vêem adquirindo diversificação e complexidade, podendo ser divididas em quatro períodos:

a. o primeiro, da assinatura do Tratado de Amizade até a Segunda Guerra Mundial;
b. o segundo, compreendendo os anos 1950-80;
c. o terceiro, desenvolvido durante a década de 1980, e;
d. o quarto, cobrindo os anos 1990.

Este texto objetiva apresentar as características que marcaram essas fases da história das relações nipo-brasileiras,
avaliando também alguns dos seus principais aspectos envolvendo comércio, investimentos, ajuda externa e política

2. Fases do Relacionamento
É comum identificar-se o início da imigração japonesa ao Brasil com a chegada do famoso navio Kasato Maru em 1908, trazendo a bordo 781 pessoas. Os primeiros emigrantes chegaram, entretanto, pouco antes, em 1906, no mesmo ano
da chegada da primeira empresa japonesa ao país.
Atualmente, a colônia japonesa - imigrantes e descendentes - no Brasil é de cerca de 1,3 milhão de pessoas, e faz parte da história do País. O primeiro grande grupo de imigrantes que desembarcaram no porto de Santos (São Paulo), em 1908, foi para as plantações de café no interior paulista. Nesse período, as suas atividades estiveram relacionadas de modo direto ou indireto ao setor agrícola, contribuindo para a expansão, diversificação e melhoria do cultivo de diversos produtos.
Durante a Segunda Guerra Mundial, apesar de não ter havido um conflito direto entre o Brasil e o Japão, as relações diplomáticas entre os dois países foram interrompidas. A retomada só vai ocorrer em 1952, com a entrada em vigor do Tratado de São Francisco, restabelecendo a soberania ao Japão. Essa retomada das relações marca o início da segunda fase, na qual
o fator econômico, estimulado pelo crescimento da economia japonesa, adquire maior importância. O crescimento econômico japonês impulsionou realização de investimentos diretos no exterior pelas empresas nipônicas.
Na segunda fase, um fator que contribuiu para o aumento dos empreendimentos japoneses no Brasil, durante a década de 1950, foi o Plano de Metas de Juscelino Kubitschek, pois proporcionou um clima de crescimento econômico no país estimulando fluxos de capitais japoneses para o Brasil.

Nas décadas de 1960 e 1970, com o afrouxamento da bipolaridade, causado, entre outros fatores, por um equilíbrio nuclear estratégico americano-soviético, o Japão passou a buscar parceiros alternativos. Ao final da década de 1970, o relacionamento Brasil-Japão vivia um processo de intensificação e aprofundamento impulsionada pelo boom da economia japonesa, que emergia como novo pólo capitalista ao lado da, então, Alemanha Ocidental. Com isso, no período "de 1951 até 1980, o Brasil foi um dos maiores recebedores de investimentos diretos do Japão, superado somente pelos EUA e pela Indonésia." (SECRETARIA DE IMPRENSA DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1991:41)

No entanto, com a década de 1980 veio a frustração das expectativas criadas durante os anos anteriores. O fenômeno da dívida externa, os problemas internos causados pelas altas taxas de inflação somados a instabilidade econômica, esfriaram o relacionamento entre os dois países. Além disso, os interesses das empresas japonesas passaram por mudanças, deslocando a prioridade para a defesa de mercado para os seus produtos. A atenção japonesa voltou-se para os países desenvolvidos - principais mercados às exportações japonesas - que ameaçavam impor medidas protecionistas contra importações. Por causa dessa nova preocupação os países supridores de matérias-primas e recursos naturais, como o Brasil, passaram para um segundo plano.

Naquele momento, o Japão e os países desenvolvidos, de um modo geral, não tinham a preocupação de incluir os países em desenvolvimento no círculo do comércio internacional, pois acreditavam que o desempenho desses países teria pouca influência sobre as suas próprias economias. Portanto, uma redução das relações econômicas dos países desenvolvidos com os em desenvolvimento, ainda que levassem a um aprofundamento das dificuldades nos países pobres, não era algo que os preocupassem.

Atualmente, com o crescimento da interdependência mundial as economias dos países em desenvolvimento têm recebido maior atenção, trazendo perspectivas de novas oportunidades ao Brasil. Além disso, outro elemento a ser considerado, apesar das dificuldades econômicas no Japão, esse país é ainda a segunda maior economia nacional global, e o Brasil é um dos "big emerging markets" de maior destaque na atualidade.

Segundo os resultados de uma pesquisa de opinião(1) com executivos de 1.000 empresas com atuação global, publicados em dezembro de 1998 pela Consultoria A.T. Kearney, o Brasil aparece em segundo lugar na classificação mundial de "Índices de Confiança" para novos investimentos, abaixo apenas dos Estados Unidos. O status de "big emerging markets" acompanhado de uma maior estabilidade política e monetária brasileira (2), caracterizam o quarto período do relacionamento Brasil-Japão, no qual surgem novas expectativas de aprofundamento das relações.

A dinamização comercial experimentada na década de 1990 no Mercosul contribui para formação de expectativas positivas ao relacionamento nipo-brasilieiro. Esse processo de integração, no qual o Brasil é o principal membro, aponta que em sete anos o volume de fluxo de comércio intra-regional praticamente quadruplicou, passando de US$ 10,42 bilhões para US$ 39,84 bilhões (Gráfico 1).

Notas
(1) "Corporations Growing More Cautious About Investing In Foreign Countries, A.T. Kearney Index Shows".
In: http://www.atkearney.com/art.jhtml?odif=gbpc&tfarc=547
(2) Deve-se salientar aqui que apesar das ameaças de depreciação que vem sofrendo a moeda brasileira, por vezes refletindo tensões e problemas externos, o Real tem apresentado maior estabilidade monetária, incluindo-se nesse item a boa capacidade de recuperação apresentada após a desvalorização do real no início de 1999. Não se afirma aqui que todas as questões estejam resolvidas em termos de política econômicas. No entanto, o quadro que se apresenta de baixa inflação e políticas cambiais minimamente previsíveis fazem do país uma opção, um parceiro econômico mais atrativo que na década passada.
(3)Dados do Trade Statistics Yearbook, IMF, Anuário Estatístico da CEPAL e CEI. In: Contribuciones 4/1996

3. As Relações Comerciais Nipo-Brasileiras
O relacionamento comercial tem sido até o presente momento, um dos aspectos pouco desenvolvidos na relação nipo-brasileira. O Japão tem tido intensas relações com os países da Ásia-Pacífico, podendo-se inclusive afirmar que, em termos comerciais, os países em desenvolvimento da região já disputam importância com países desenvolvidos - Estados Unidos e Europa. Segundo Marcelo de Paiva Abreu e Wiston Fristch (1996), "em termos comerciais, embora os mercados da OCDE, especialmente os EUA, ainda sejam importantes para esses países (asiáticos), os nove (NIC's e Asean) absorvem hoje cerca
de uma terça parte das vendas externas japonesas e vendem eles para o Japão quase metade de suas exportações"
(ABREU, 1996:59)

As trocas nipo-brasileiras pouco têm-se alterado qualitativamente ao longo do tempo, mantendo uma modesta participação
no volume global de comércio desenvolvido pelo Japão. Até os anos 1980, segundo ALTEMANI DE OLIVEIRA (1991), a relação
foi marcada pela complementaridade entre as duas economias, tendo de um lado, o Japão como país importador
de matérias-primas e exportador de manufaturados, e de outro, o Brasil como exportador de matérias-primas. Apesar disso, do final da década de 1960 até início da de 1980, houve uma expansão das exportações de manufaturados brasileiros
ao Japão, acompanhando a política de estímulo às exportações promovida pelo governo brasileiro durante esse período.

Durante nos anos 1970 houve uma redução das exportações brasileiras de matérias-primas para o Japão, motivadas dentre outros fatores pela crise do petróleo, pois com a elevação do preço desse produto o Japão transferiu suas indústrias com maior dependência em recursos naturais para o exterior, buscando diminuir sua vulnerabilidade econômica. Mesmo assim, o Brasil permanece como um importante parceiro, sendo atualmente o segundo maior fornecedor de minério de ferro ao Japão, atrás apenas da Austrália.

O crescimento das exportações de produtos manufaturados teve seu ápice em 1986, quando chegou a representar cerca de 32% do total das exportações do Brasil para o Japão. A partir desse ano, porém, há uma diminuição da participação dos produtos manufaturados (Tabela 2) e uma diversificação nos tipos de produtos direcionados ao mercado japonês.

No sentido contrário das trocas comerciais, durante a primeira metade da década de 1980, o volume de exportações japonesas para o Brasil sofreu uma redução, voltando a crescer na segunda metade, mas só retorna aos valores de 1980 praticamente dez anos depois. Em termos percentuais houve uma forte redução da participação brasileira no total das exportações japonesas, no mesmo período, caiu de 0,9% (1980) para 0,4% (1985). A participação brasileira como mercado aos produtos japoneses, já modesta em 1980, ficou reduzida a praticamente um terços depois da segunda metade da década de 1980 (Tabela 3).

Comparando-se os resultados das importações feitas pelo Japão de produtos brasileiros de 1985 a 1995, verifica-se que a participação do país permanece praticamente inalterada com uma média de 1,4% em relação ao total das importações japonesas. Estes dados mostram que o Brasil não conseguiu se beneficiar do crescimento do volume do comércio japonês com o mundo. Mais do que isso, depois da explosão da bolha econômica japonesa de 1991, com o exceção de 1992, em que houve um aumento das exportações brasileiras ao Japão, o Brasil tem seguido uma tendência de perda de participação no mercado japonês.

A partir de 1995, a redução passa a ocorrer tanto em valores absolutos como percentuais (Tabela 3), acentuando-se nos anos de 1997 e 1998. Esses números da balança comercial nipo-brasileira refletem as dificuldades da economia domésticas japonesa e nos dois últimos anos, provavelmente, as conseqüências da crise econômica sofridas pelas nações asiáticas.

Os números da balança comercial nipo-brasileira de 1996, 1997 e 1998 apontam um aumento das importações e uma diminuição da exportações brasileiras no comércio com o Japão. O total das importações brasileiras provenientes do Japão em 1997 anos foi de US$ 3,6 bilhões, com um resultado 63,6% superior de 1996 (US$ 2,2 bilhões), e em 1998 as importações atingiram US$ 3,2 bilhões, uma redução de aproximadamente 10% em relação a 1997.

No sentido inverso, em 1997, o Brasil exportou ao mercado japonês US$ 3,1 bilhões, cerca de 18,5%(4) inferior ao ano anterior (US$ 3,8 bilhões), e em 1998 US$ 2,2 bilhões, redução próxima de 29,1%. Com esses resultados a participação brasileira nas importações totais do Japão caíram para 0,8%, bem abaixo da média do período 1985-1995, que era de 1,4%. Além disso, outro fato que merece destaque é a inversão do superávit(5), esses resultados marcaram pela segunda vez consecutiva a inversão dos superávits na relação comerciais bilaterais, ficando o Japão com um superávit de US$ 1 bilhão em 1998.

Estes dados mostram que crescimento absoluto do volume do comércio japonês com o mundo, não conduziu diretamente a uma elevação da participação brasileira no mercado japonês, mas a queda do nível de importações em 1997 e 1998 (6) foi sentida diretamente, demonstrada por dois anos de reduções, tanto em termos de valores absolutos como proporcionais.
Um dos fatores que podem explicar essa retração das exportações brasileiras e aumento das importações é a crise econômica de vários países asiáticos, que somaram-se às dificuldades econômicas internas do Japão. De fato, no ano de 1997, as exportações do Brasil ao conjunto do bloco asiático apresentaram retração, com um recuo médio de 28,5%. As quedas mais pronunciadas foram com a Tailândia (-69,3%), Filipinas (-55,8%), Indonésia (-49,4%), Malásia (-45,3%), Coréia do Sul (-38,7%), Japão (-29,1%) e China (-16,1%)" (7).

No entanto, a baixa participação dos produtos brasileiros no mercado japonês, historicamente, se deve ainda a outros fatores. Segundo Dantas de Amorim (1991) pela concorrência imposta pelos produtos americanos e dos países conhecidos como Novos Países Industrializados - NIC's (Cingapura, Coréia, Hong Kong e Taiwan) - da Ásia. Os primeiros beneficiam-se dos vínculos econômicos e políticos existentes entre os EUA e o Japão. No segundo caso, os produtos dos NICs levam vantagem pelo alto grau de competitividade que adquiriram, tanto em relação ao custo como em qualidade em comparação aos brasileiros.

O fato do Brasil não ter acompanhado o crescimento do intercâmbio comercial do Japão com o resto do mundo, é resultado também da ausência de interesses claros na ampliação das relações comerciais nipo-brasileiras, pois são escassas as iniciativas para seu aprofundamento. Apesar disso, o relacionamento comercial Brasil-Japão tem sua importância, particularmente ao Brasil, pois pelo menos nos últimos quatro anos, esse país tem se situado sempre entre os cinco principais parceiros de comércio bilateral (8). De qualquer forma, dada a reduzida dimensão do intercâmbio comercial, existe espaço para a sua ampliação, mas para que ela ocorra parece ser necessário alterar-se as suas bases. Pois "apesar da dependência do Japão quanto às importações de matéria-prima da América Latina, que tanto se falou nos anos 70, isso não estimulará uma relação comercial vigorosa, num momento em que o Japão se afasta cada vez mais da indústria de tecnologia pesada na direção dos setores de serviços e de tecnologia" (CHIPMAN, 1992:87).

Outro aspecto a ser considerado para ampliação das relações comerciais nipo-brasileiras é a necessidade de atitudes mais afirmativas por parte do Brasil. Até agora um parceiro passivo desse relacionamento, que tem se restringindo a satisfazer as demandas japonesas e especializando-se em suprir necessidades específicas (soja, minério de ferro, o ferro em barra e alumínio), servindo como um instrumento para a diminuição da dependência japonesa em relação a produtos americanos. Um exemplo dessa realidade é o bem sucedido investimento no cerrado brasileiro realizado pela Marubeni - empresa japonesa - e uma agência de governo japonesa, a OECF - Overseas Economic Cooperation Fund (Fundo de Cooperação Econômica Externa). Durante a década de 1970, com um crédito de 3 milhões de dólares para o plantio de soja na região do cerrado(9), garantiu uma maior competitividade da produção brasileira no mercado internacional, reduzindo o preço da soja americana, à qual se tornou concorrente direta.

Amaury Porto de Oliveira (1993), que estudou essa relação, ratifica essa interpretação, afirmando que:
"é fácil verificar que são os japoneses que nos compram, mais do que nós vendemos", um exemplo disso é, "o notável crescimento obtido nos últimos dois anos pelas vendas de suco de laranja brasileiro no mercado varejista do Japão. (...)
A ofensiva do produto brasileiro vem sendo coordenada pela Mitsui e pela Mitsubishi, com a cooperação da JETRO - Japan External Trade Organization - (Organização Oficial de Comércio Exterior do Japão), organização japonesa para promoção do comércio exterior e visa sobretudo forçar a queda no preço a varejo do suco de laranja americano" (PORTO DE OLIVEIRA,1993:13)

Vimos aqui dois atores que têm tido atuação importante na relação comercial nipo-brasileiro a Japan External Trade Organization - Jetro - e as trading companies.
O primeiro, Jetro, fundado em 1958 pelo governo japonês para promover as exportações japonesas de pequenas e médias empresas, tem priorizado atualmente o fomento das importações pelo Japão com objetivo de atender o mercado interno e suprir as necessidades das empresas. Com isso contribui simultaneamente para amenizar o superávit da balança comercial japonesa, que durante longos anos foi criticado por diversos países. O segundo ator que tem contribuído para manter as taxas de importação de produtos brasileiros são as trading companies japonesas. Segundo Amaury Porto de Oliveira (1993), em 1991, já havia mais de trinta trading companies japonesas atuando no Brasil. Entretanto, naquele mesmo ano não havia ainda nenhuma representação de trading company brasileira no Japão.

Apesar dos modestos resultados obtidos até agora, e da redução das exportações brasileiras nos últimos anos, há fatores que permitem projetar um recuperação e até um fortalecimento das relações econômicas nipo-brasileiras. Entre os fatores que podem contribuir para isso estão: 1) a continuidade da atuação da Jetro, 2) a formação do Mercosul e 3) a possibilidade de um novo caminho para exportação dos produtos brasileiros à Ásia pelo Chile. A viabilização do corredor Mercosul, ligando Brasil-Argentina, e a sua continuidade até portos do Chile(10) é um componente estrutural que pode contribuir para um dinamismo comercial nipo-brasileiro , pois isso reduziria o tempo e o custo do transporte dos produtos brasileiros para o Japão e vice-versa.

A Jetro, desde 1992, escolheu o Brasil como o primeiro país latino-americano para implantação do Plan Project, que visa a formação e o desenvolvimento de indústrias brasileiras para abastecer o seu mercado japonês. Este projeto pode contribuir para o ingresso do Brasil no sistema denominado por Kotaro Horisaka(11) como "networking industrial" japonês. Neste caso, a intensificação das relações comerciais com o Japão, resultariam de um processo de globalização econômica e intensificação de negócios intra-firmas. De fato, este é um canal de negócios promissor, dados recentes apontam que o percentual de partes e produtos semi-acabados fornecidos pelas subsidiárias no exterior às empresas no Japão, cresceu de 23,7%, em 1988, para 40,4%, em 1994 (12).

O ingresso no "networking industrial" conduziriam a instalação de novas subsidiárias, o que em outras palavras significa elevar o volume de investimentos diretos das empresas japonesas no país. Este é um aspecto importante das relações Brasil-Japão que será abordado a seguir.

Notas
(4) YUZAWA, Saburo. "A importância do Brasil no plano do investimento externo do Japão". Seminário realizado na Associação Comercial de São Paulo. 04 de Junho de 1997. (Mimeo)
(5) O superávit brasileiro no relacionamento comercial com o Japão, obtido de desde 1982 até 1997, tinha, de acordo com a Câmara de Indústria e Comércio Japonesa do Brasil, uma forte participação dos seguintes produtos: minério de ferro e alumínio, produtos semi-acabados, dentre os quais o café, a celulose para papel (pasta química), a soja, e mais recentemente, o suco de laranja concentrado.
(6) Os resultados de 1998 refletiram, "em particular, a queda das exportações de alumínio em bruto, minérios de ferro, café em grão, celulose, carne de frango, ferro-ligas, fumo em folhas e soja (grão e farelo)" In: SECEX. "Balança Comercial Brasileira - Dezembro/1998". http://161.148.1.101/merc1298.htm
(7) Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo/Secretaria de Comércio Exterior. "Balança Comercial Brasileira". Setembro/98 http://161.148.1.101/merc09.htm
(8) Informações extraídas do relatório "Estadísticas de Comercio y Económicas" da ALADI. In: http://www.aladi.org/estadisticas_comercio.htm
(9) Dados apresentados por Amaury Porto de Oliveira em seu texto "O Brasil e a Bacia do Pacífico". In: Cadernos do IPRI. Fundação Alexandre Gusmão. Dezembro de 1993. pp. 20
(10) Há um estudo realizado por José Alex Sant'Anna, "Possibilidades de interligações terrestres (Rodoferroviárias e Fluviais) entre o Brasil e o Pacífico", apresentado no Boletim de Diplomacia Econômica, número 10, do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, que apresenta essa e outras vias de ligação da economia brasileira com à japonesa.
(11) ORTIZ-MENA L.N, Antonio. "Regional Integration in the Americas and the Pacific Rim: A Project Report". CILAS Working Paper No. 11, July 1997. pp. 9.
(12) The World Bank Annual Report, 1996

4. Investimentos Japoneses no Brasil
Ao longo da história das relações nipo-brasileiras o Brasil já foi um pólo de atração do investimento direto japonês (FDI). Esses investimentos iniciaram-se no Brasil na década de 1950, mas o crescimento significativo ocorre a partir de 1967. "Entre 1957 e 62, aconteceu o primeiro boom da entrada de empresas nipônicas no Brasil, no pós-guerra. Começou com a Indústria de Pesca Taiyo, com sede em Santos, seguida da joint-venture Usiminas, Ishikawajima, Howa, Toyobo, Kanebo, Kurabo, Canetas Pilot, Ajinomoto, Nippon Reizo, Yanmar Diesel, Kubota Tekko e outras indústrias e empresas do setor comercial e financeiro." (NAKASUMI & YAMASHIRO, 1992:431). Naquele momento os superávits japoneses no seu balanço de transações correntes possibilitavam e impulsionavam a realização de novos empreendimentos no exterior (DANTAS DE AMORIM, 1991).
Entretanto, é na década de 1970 que os investimentos diretos japoneses ganham importância no Brasil, período em que ocorrem os maiores fluxos de capital do Japão ao país. Castigado pelo choque do petróleo, as empresas desse país procuraram transferir para o exterior as indústrias que exigiam o uso intensivo de energia e outros recursos naturais. Isso levou a uma importante participação dos investimentos japoneses no Brasil nos setores petroquímico, de alumínio, papel e celulose, fertilizantes e siderúrgico, constituindo-se em dos maiores estoques de investimentos estrageiros no país (Tabela 4).

Um exemplo do interesse japonês no país é o projeto Carajás, em que o Japão investiu, financiou e contribuiu com missões de pesquisa para sua exploração. Só em financiamento foram destinados US$ 47,7 milhões(13). Outro empreendimento importante foi a Cenibra, que fundada em 1973, e hoje conta com 48,52%(14) do seu capital administrado pelo consórcio japonês JBP - Japan Brazilian Pulp and Papers Resources Co.

Na década de 80, nota-se uma redução do montante de investimentos japoneses no Brasil, e "se for considerado que, durante esse período, a média anual dos investimentos diretos japoneses no exterior foi três vezes superior àquela da década de 70, verifica-se uma grande queda na importância do Brasil como receptor de investimentos diretos japoneses" (BNDES 1990:74). A diminuição da participação brasileira nos fluxos de investimentos japoneses, foi resultado de fatores endógenos - instabilidade econômica - e exógenos - atração da atenção japonesa por outros países como os novos países industrializados da Ásia (DANTAS DE AMORIM, 1991).

Passado os anos 1980, parece haver uma renovação do interesse japonês pelo Brasil. O cônsul-geral do Japão em São Paulo, Yasuji Ishikaki, já em 1993, afirmava que havia uma percepção de intensificação das relações nipo-brasileiras. De acordo com as suas declarações, o relacionamento entre Brasil e Japão estava entrando em nova fase e os investimentos poderiam voltar (SCHWARTZ, 1993:2-8).

Essa percepção foi reforçada dois anos depois, em 1995, ano das comemorações do centenário da assinatura do "Tratado de Amizade, Comércio e Navegação Brasil-Japão", pelas trocas de visitas de autoridades e líderes empresariais(YOKOTA, 1997:A2). Conforme aponta o economista Takanori Suzuki, da consultoria internacional Delloite Touche Tohmatsu: "Nos últimos dois anos os japoneses recomeçaram a se movimentar com objetivo de realizar novos investimentos no Brasil. Até o momento, o número de empresas japonesas que se acha em fase preparatória para instalar novas subsidiárias já passa de oitenta. Elas são atuantes no setor de automóveis (Toyota, Honda), autopeças, eletroeletrônicos e informática, máquinas, telecomunicações, alimentos, etc..." (SUZUKI, 1997)

Exemplos recentes da retomada de interesse são os investimentos da Furukawa, Sony e Toyota, dos setores de material de comunicação, eletroeletrônicos e automobilístico, respectivamente. A multinacional Furukawa no período de 1996-1998 aplicou US$ 70 milhões(15) para instalação de uma nova unidade produtiva em Curitiba (PR), para produção de cabos ópticos e telefônicos. A Sony, fabricante de eletroeletrônicos, destinou, em 1997, US$ 20 milhões(16) para a ampliação de suas plantas em Manaus (AM). Esta empresa retomou a realização de novos investimentos no País desde 1996, quando investiu esse mesmo montante para a instalação de uma fábrica de injeção plástica nessa mesma localidade.

O investimento da Toyota foi de US$ 150 milhões(17) na construção da sua segunda fábrica no Brasil em Indaiatuba (SP), no ano 1997. Essa empresa que voltou a investir depois de 38 anos de presença no país, já anunciou que tem planos para instalação de uma nova unidade para produção de carros populares.
Como resultado dessas medidas o volume de investimentos japoneses quadruplicou de 1995 para 1996, passando de US$ 280 milhões para US$ 1 bilhão. E as previsões anunciadas por Shigueki Tsutsui, vice-presidente da Câmara de Comércio Japonesa no Brasil, ainda no início de 1997 era a de que "nos próximos dois anos, os investimentos japoneses aqui duplicarão, passando para US$ 2 bilhões"(18).

Apesar dos resultados de 1997 não terem atingido os US$ 2 bilhões, o incremento de 46% no fluxo de investimentos diretos japoneses ao Brasil em relação a 1996 e cinco vezes maior ao de 1995, demonstrou que empresas japonesas realmente estão, apesar de cautelosas, retomando os investimentos no país.
Kotaro Horisaka compara os resultados do ano fiscal 1997, e dá um destaque maior aos investimentos japoneses diretos realizados no Brasil.

"No ano fiscal 1997 o investimento total externo cresceu 22% em relação ao ano anterior. O volume para os EUA, o maior receptor do capital japonês, permaneceu ao mesmo nível do ano anterior (2.548,6 bilhões de Yens), e para a Ásia, que tem concentrado 1/4 do volume total de investimento, registrou um tímido crescimento de 14%. A Europa e a América Latina registraram um crescimento elevado, sendo 66% para o primeiro e 55% para este. Entre os países da América Latina, o Brasil foi quem mais cresceu em volume, cuja participação subiu de 0,6% em 1995 para 1,8% em 1996, atingindo 2,2% em 1997. O investimento direcionado ao México, cujo fluxo vinha sendo impulsionado após a criação do Nafta, limitou-se a 39,3 bilhões de Yens, ou seja, o Brasil recebeu um volume 3,7 vezes maior do que aquele país." (HORISAKA, 1998:5)

Esses dados apontam para uma revitalização do interesse do setor privado sobre o Brasil. As expectativas da Japan External Trade Organization (Jetro) são de que se intensifique a atratividade brasileira não só das grandes empresas japonesas, mas também das pequenas e médias. Para isso está sendo difundido no País, por essa instituição, o projeto do Tecnocenter (19).
Essas expectativas da Jetro podem conduzir a uma nova fase de investimentos japoneses, que seria o ingresso no já mencionado "networking industrial" japonês, caracterizado por uma seqüência de processos de industrialização promotora do desenvolvimento econômico das economias da região da Ásia-Pacífico. Esse processo que estruturou uma rede de produção de diferentes níveis tecnológicos pelas transferências de tecnologias, poderia também ser uma caminho para adensar as relações entre as economias brasileira e japonesa.

Notas
(13) Ministério dos Negócios Estrangeiros do Japão. "Carajás: maior jazida de ferro do planeta". Notícias do Japão.
Junho 1996. p. 3.
(14) Cenibra Uma história de bons resultados. In: Revista Imagem. Ano 10. Outubro/1998. http://www.revistaimagem.com.br/89/index.htm
(15) ALVES, Ubirajara. Furukawa amplia a produção de cabos". Gazeta Mercantil, 28 de fevereiro de 1997, p. 2.
(16) Dados extraídos da Gazeta Mercantil, 28 de fevereiro de 1997, p. A-11.
(17) SILVA, Cleide. "Toyota pretende montar carro popular no País". O Estado de São Paulo, 26 de março de 1997. p. B-8.
(18) YANAKIEW, Monica. "Japoneses têm interesse na CVRD". Gazeta Mercantil, 19 de março de 1997, p. A-6.
(19) "A Jetro convidou o fundador da tecnocenter de Shezen, Sr. Jiro Ishii, em fevereiro de 1997, e organizou uma mesa redonda nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre e Goiânia a fim de discutir a viabilidade da sua fundação nessas cidades" (YUZAWA, 1997)


5. Ajuda Econômica Japonesa ao Brasil
O primeiro fluxo de ajuda externa japonesa recebida pelo Brasil ocorreu em 1961, fazendo do país um dos primeiros recebedores de empréstimos do Japão no período pós-1945. Em outubro de 1962, iniciou-se o projeto da Usina Siderúrgica de Minas Gerais, para a produção de 3,5 milhões de toneladas de aço por ano. Este projeto foi desenvolvido em conjunto, com a participação de capital do governo japonês, por meio do OECF, e de capital brasileiro. Posteriormente, nos anos que se seguiram até 1973, ocorreram novos fluxos de empréstimos, e ao final deste período (1962-73), o Brasil acumulava o quinto maior volume de empréstimos(20) fornecidos pelo Japão.

Esses dados no entanto, não modificam o fato de que, até o momento, o Brasil e os países da América Latina, como um todo, têm disputado com grande desvantagem a atenção do Japão com os países em desenvolvimento da Ásia-Pacífico. Assim como em termos de comércio e investimento, a ajuda oficial do Japão aos países do leste e sudeste asiático tem sido muito mais intensa do que para os latino-americanos.
A concentração dos interesses japoneses nos países asiáticos é ilustrada claramente pela distribuição da ajuda econômica oficial japonesa, conhecida como Official Development Assistance - ODA. Nos anos de 1950 à 1970, a proporção de recursos da ODA destinada à região asiática girava em torno de 90% do volume total distribuído no globo, chegando ao seu ápice de 100% em 1969 (21).

Essa relação só se altera, e ainda de maneira relativa, com a crise do petróleo, na década de 1970, quando os países membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opec) decidiram quadruplicar o preço do barril desse produto. Nesse momento, o governo japonês decidiu diversificar suas relações com países de outras regiões além da Ásia. Os países contemplados por essa nova política foram os ricos em recursos naturais, como os do Oriente Médio e da América Latina. E como conseqüência, "durante essa década, o governo adotou a política 7-1-1-1, no qual o objetivo era ter 70% da sua ajuda para a Ásia, e o restante dividido entre o Oriente Médio, a África e a América Latina" (LAIS, 1990:12).
A manutenção dessa baixa participação dos países da América Latina é, segundo Kotaro Horisaka (1993), decorrente do fato "do establishment japonês e dos formuladores da política externa do Japão terem sempre uma tendência a considerar a América Latina como o quintal dos Estados Unidos" (HORISAKA, 1993:51).

Também nos anos 1970 houve mudanças na política de ajuda externa japonesa na América Latina. Dessa forma, apesar de ter havido uma ampliação dos recursos japoneses destinados a essa região, elas não beneficiaram o Brasil, pois esses recursos começaram a ser direcionados a outros países mais pobres. Em compensação, como foi citado anteriormente, a partir de 1973, cresce o número de instalação de empresas japonesas no Brasil, realizando grandes projetos mistos de cooperação entre setores do governo e iniciativa privada. Em 1974, durante a visita ao Brasil, o Primeiro-Ministro Kakuei Tanaka "promete ao Presidente Ernesto Geisel cooperação do Japão em várias categorias, incluindo desenvolvimento de energia hidrelétrica para projetos de produção de alumínio no Amazonas, projetos de (fabricação de) papel e celulose, projetos agrícolas e de pesca " (HOLLERMAN, 1988:51).

Nessas promessas incluía-se o projeto de desenvolvimento do cerrado, que foi aceito e teve continuidade com a assinatura do protocolo do programa global de cooperação econômica, durante uma viagem do Presidente Ernesto Geisel ao Japão, em 1976. A negociação dos termos do projeto duraram praticamente 4 anos. Com isso, sua implementação foi iniciada somente em novembro de 1978, com a criação da Campo (Companhia de Promoção Agrícola), instituição que ficou responsável pela execução do acordo.

Para o sustento financeiro da Campo foram criadas duas empresas de investimentos: a Brasagro, empresa brasileira, criada com a participação de 44 entidades, entre as quais o Branco do Brasil e o Banco de Desenvolvimento do Estado de Minas Gerais; e outra japonesa, a Jadeco. O desenvolvimento do projeto foi planejado pelo Ministério da Agricultura do Brasil, e deveria ser realizado em etapas: a primeira, Prodecer I, executada em Minas Gerais, contou com uma área de 58,7 mil hectares, envolvendo US$ 50 milhões - 49% fornecido pela Jadeco e 51% pela Brasagro, foi concluída em 1982. A segunda, Prodecer II, iniciou-se em 1985, e em razão do sucesso obtido na primeira etapa, ampliou-se em três vezes a área para execução do projeto, passando a envolver uma área de 190 mil hectares e um orçamento de US$ 300 milhões, divididos entre os dois governo.

Além desse projeto, durante a visita do Presidente Ernesto Geisel ao Japão, o Primeiro-Ministro Takeo Miki, com um montante de US$ 3 bilhões, comprometeu-se com a "construção de uma usina (de beneficiamento) de alumínio em Belém, (...) ajudar a construção do primeiro estágio da Usina Siderúrgica de Tubarão, cooperação no projeto para construir um porto na Praia Mole, apoio para o projeto de suprimento de papel e celulose para Cenibra e Flonibra, ajuda ao projeto de expansão da Usiminas, e ajuda para exploração de jazidas de ferro brasileiras, como a de Capanema, e apoio para a Nibrasco, joint venture para exportação de ferro para o Japão" (HOLLERMAN, 1988:51).

Do início dos anos 1980 até meados dos anos 1990, a cooperação técnica passa a ser o destaque dentre os tipos de ajuda oficial japonesa para o país, mantendo uma tendência de crescimento constante, passando de US$ 14,60 milhões para US$ 66,96 milhões. Entretanto, as doações em espécie têm permanecido zeradas, com algumas pequenas exceções nos anos de 1988, 1994 e 1996. Esse números são resultados da política japonesa de restringir as doações apenas aos países de baixa renda(22) .

Segundo Leo Hollerman (1988) a cooperação técnica(23) japonesa tem um particular significado para o Brasil, pois apesar de não figurar entre os maiores montantes fornecidos pelo Japão, "a transferência de tecnologia (japonesa) é de extrema importância para o Brasil, como avanço na fabricação de produtos intermediários por meio de tecnologias mais sofisticadas" (HOLLERMAN, 1988:108). Além disso, mesmo que a proporção da ajuda técnica/ODA japonesa (12,5%) esteja abaixo da média dos demais membros do DAC (21,8%), há de se notar , durante o período de 1982-1992, um crescimento na cooperação entre o Brasil e o Japão.

Leo Hollerman (1988) chama a atenção também para o fato de que, nos anos que antecederam a 1980, nenhum outro país da América Latina recebeu tanta ajuda técnica quanto o Brasil, mostrando a preferência do Japão pelo País. Os dados de 1996, mostram que tal quadro ainda se mantém. Em valores absolutos naquele ano o Brasil recebeu US$ 51,99 milhões, enquanto o segundo colocado, o México, US$ 37,71 milhões(24).

Vale destacar que o Brasil está entre os sete maiores recebedores de cooperação técnica japonesa do mundo (Tabela 6), atrás apenas dos países asiáticos, que têm a China em primeiro lugar. Dentre os principais aspectos dessa relação estão a ida de estudantes brasileiros ao Japão, o envio de peritos japoneses ao Brasil e o fornecimento de equipamentos. Segundo os dados de 1994, havia 22 projetos de cooperação técnica em desenvolvimento e mais 28 em estudo para desenvolvimento(25), abrangendo diversas áreas (médicas, tecnológicas, ambientais, industriais, entre outros) não privilegiando um setor específico.

Os empréstimos, entretanto, em oposição à cooperação técnica, mostram mais claramente quais são os setores priorizados, divididos em dois grandes grupos: infra-estrutura e meio ambiente. Existe uma tendência geral no Japão de promover atividades de cooperação nesses campos. Em 1991, no relatório publicado pela JICA(26), especificamente sobre o Brasil, o meio ambiente aparecia entre as três áreas de prioridades na relação de cooperação Brasil-Japão. "A ajuda de desenvolvimento deve ser fornecida baseada no reconhecimento de que as coisas particularmente importantes para o relacionamento entre o Brasil e Japão são: (1) a modernização e desenvolvimento sustentável da economia; (2) políticas direcionadas para a pobreza (saúde, assistência médica e desenvolvimento de recursos humanos) e (3) cooperação (em questões) de meio ambiente." (JICA, 1991:9)

Os projetos firmados entre o Brasil e o Japão nos anos de 1989, 1992 e 1996 exemplificam a ênfase que a política japonesa tem dado a essas áreas, pois os últimos empréstimos feitos para o Brasil (Quadro 1), enquadram-se ou em temas de meio ambiente ou de infra-estrutura.

Os recursos para os projetos de 1989, solicitados pelo Presidente José Sarney, durante sua viagem ao Japão para participar do funeral do Imperador Hiroito, exemplificam o padrão japonês de fornecimento de ajuda baseado na apresentação de pedidos e de projetos. Todo o recurso foi dividido entre quatorze projetos, a maioria deles relacionados com o setor de transporte e de energia. Dentre eles, os sete maiores são:

a) projeto de construção de uma usina termoelétrica em Paulínia, São Paulo;
b) projeto de modernização do sistema de rodovias metropolitanas de Fortaleza;
c) empréstimos para o financiamento de comércio e operações bancárias;
d) projeto de duplicação da linha de transmissão elétrica entre Tucuruí e Albrás - joint venture entre a Companhia Vale
do Rio Doce e a Companhia Nippon Amazon de Alumínio (subsidiária japonesa);
e) projeto de modernização do porto de Santos;
f) projeto de eletrificação da zona rural de Goiás;
g) projetos de irrigação do nordeste.

Os recursos para os projetos de 1992 foram anunciados durante a Conferência do Rio. O governo japonês anunciou
o "empréstimo do Banco de Importação e Exportação do Japão, totalizando US$ 300 milhões para apoiar a melhoria do meio ambiente e a reforma econômica do Brasil. O Japão anunciou também empréstimos totalizando aproximadamente 780 milhões de ienes para três projetos, "nominalmente: o 'Projeto de Construção de um Sistema de Esgoto na Baía de Guanabara', 'Projeto de Despoluição da Bacia do Rio Tietê', e 'Projeto de Construção de uma Estação de Tratamento de Lixo Sólido
da Área Metropolitana de São Paulo'." (MINISTRY OF FOREIGN AFFAIRS, 1993:296)

Os projetos anunciados em 1996 (Ver quadro 1), acordados durante a visita do Presidente Fernando Henrique Cardoso
ao Japão, em março daquele ano, reforçaram os critérios do meio ambiente e infra-estrutura. Foram acertados também empréstimos pelo Eximbank japonês para: projeto modernização da ferrovia nos arredores de Fortaleza (US$ 268 milhões); obras de reparação da rodovia ligando São Paulo a Florianópolis (US$ 450 milhões); obras de reparação da malha viária
do Estado de Tocantins (US$ 48 milhões); financiamento para assistência a empresas de descendência japonesa
(30 milhões de ienes).

Essa orientação, entretanto, não impede a continuidade de projetos anteriores. Em 1997, o ministro do Planejamento, Antônio Kandir foi ao Japão assinar o contrato de US$ 1,6 bilhão(27) junto a Overseas Economic Cooperation Fund para a liberação de novos financiamentos. Parte desses recursos, US$ 800 milhões(28), segundo o secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Guilherme Dias, foi comprometida para a realização da terceira fase do Prodecer, que iniciada em 1978 teve a sua última liberação de recursos em 1985.
Nos últimos dez anos, com exceção dos anos de 1991 e 1992 quando ficou em segundo, atrás apenas da Alemanha, o Japão tem sido o maior fornecedor de ajuda externa ao país, tornando-se um importante parceiro nessa área. Atualmente o Brasil é o país que sedia os treinamentos promovidos pelo governo japonês para profissionais da América Latina. Um exemplo desse tipo de cooperação foi o programa de especialização realizado de 23 de junho a 15 de agosto de 1997, no Centro Nacional de Tecnologia em Mecatrônica do Senai, em São Paulo, uma parceria com a Japan International Cooperation Agency - JICA(29).

Notas
(20) No período de 1962-1973, os empréstimos provenientes do Japão tiveram uma elevação do seu índice médio de grant element de 17,52 para 42,65%. Entretanto, os empréstimos direcionados ao Brasil mantiveram uma média de grant element igual a 17,22%, abaixo do índice mínimo exigido (25%) para que um recurso seja considerado ajuda oficial de desenvolvimento - ODA.
(21) HASEGAWA, Sukehiro. Japanese Foreign Aid: Policy and Practice. New York, 1975. 170p.
(22) De modo geral, os países com renda per capita superior a US$ 1700 estão desqualificados para receber qualquer tipo de ajuda do Japão. Esse critério impossibilitaria muitos países latino-americanos de receberem ajuda japonesa, inclusive o Brasil que possui uma renda per capita de US$ 3640 (Banco Mundial). No entanto, um outro critério, o que qualifica os países com dívidas externas elevadas, isto é cujos os pagamentos dos serviços são iguais ou superiores a 25% do total das suas exportações, requalificam-os para receber a ajuda japonesa.
(23) A cooperação técnica entre o Brasil e Japão é regulada pelo Acordo Básico de Cooperação Técnica, assinado em 22 de setembro de 1970.
(24) MINISTRY OF FOREIGN AFFAIRS. Japan's Official Development Assistance: Annual Report 1997. Tokyo: APIC, 1998. 416p
(25)Consulado Geral do Japão. "Relações bilaterais entre o Japão e o Brasil". http://www.rio.com.br/cccjapao/
(26) Este estudo realizado sob a responsabilidade da JICA, em colaboração com o Instituto para Cooperação Internacional, enquadra-se no conjunto de trabalhos realizados nos mesmos moldes, abrangendo diferentes países. Estes trabalhos, segundo a JICA, têm a finalidade de recolher informações sobre os países recebedores, espalhados pelo mundo, com o fim de se conseguir produzir melhores resultados com os recursos utilizados.
(27) "Kandir vai ao Japão para acertar financiamentos de US$ 1,6 bilhão". O Estado de São Paulo, 19 de março de 1997. p. B-5.
(28) GUIMARÃES, Helder. "Japão aumenta a aposta no cerrado". Gazeta Mercantil, 18 de fevereiro de 1997, p. B-18.
(29) "Parceria Senai e Jica treina técnicos da AL". Revista da Indústria, 19 de maio de 1997. pp.32-33

6. O Relacionamento Político Japão-Brasil
O Brasil já teve uma posição de destaque nas relações do Japão com os países em desenvolvimento, principalmente no âmbito da América Latina. Como mencionado anteriormente, foi um dos primeiros países do mundo a receber ajuda econômica japonesa no período do segundo pós-guerra, e também já foi foco de interesse dos investimentos diretos japoneses. Contudo, o aprofundamento das relações foram frustradas, contribuindo para isso os problemas brasileiros de instabilidade política e econômica (estagnação reincidente e inflação crescente) apresentados ao longo da década de 1980.

Houve nesse período também um desgaste das relações nipo-brasileiras pela perda de credibilidade por parte do Brasil, fato que parece estar se revertendo paulatinamente. Além disso, conforme afirmou Horisaka (1993), uma das limitações de uma maior aproximação do Japão em relação aos países latino-americanos era o temor de estar interferindo na área de influência estritamente dos Estados Unidos. Agora com "o fim da Guerra Fria, que abriu a possibilidade de uma política externa japonesa mais independente " (HAGGARD, 1996:6), essa barreira poderá diminuir.

A queda do muro de Berlim, em 1989, e o início do período de transformações internacionais, proporcionaram aos países a possibilidade, quando não a necessidade, de ocuparem novos papéis no ordenamento global em transição. Dessa forma, tanto o Brasil como o Japão estão diante de um cenário de indefinições, o qual pela existência de alguns interesses convergentes poderão conduzir a diálogos mais intensos. As candidaturas do Japão e do Brasil a assentos permanentes no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, são um exemplo de interesse comum.

Um sinalizador político da renovação do interesse japonês em relação ao Brasil foi a visita ao país do Primeiro-Ministro japonês, Ryutaro Hashimoto, em agosto de 1996. Essa foi a primeira visita de um primeiro-ministro japonês ao País depois de 14 anos. Na visita foi o anunciado o Programa de Amizade Japão-América Latina, projeto envolvendo visitas de 50 funcionários, em média, do governo brasileiro por ano ao Japão. Nessa oportunidade foi definido ainda a realização em 1997 do Simpósio América Latina, no Japão, visando celebrar o fortalecimento das relações entre a Ásia e a América Latina(30) .

Em 1997, houve a vinda de uma missão empresarial japonesa coordenada pela Keidanren(31), Federação das Organizações Econômicas do Japão, com a finalidade de estudar as possibilidades e oportunidades de negócios com o Brasil. Além desses fatos não se deve ignorar o significado político às relações nipo-brasileiras das visitas do casal Imperial às capitais brasileiras, durante nove dias, no ano de 1997.

Essa viagem teve dois componentes de destaque: a primeira dimensionada pela declaração do embaixador Akitane Kiuchi:
"em nenhum outro país o imperador esteve por tanto tempo em visita oficial como no Brasil"(32) ; a segunda e pelo fato de ter sido a primeira viagem do Imperador, fora do seu país, após um período de quase dois anos, em que esteve ocupado com os problemas internos do Japão.
Percebe-se que ao longo da década de 1990 o Brasil conseguiu obter alguns ganhos na sua relação com o Japão, ainda que manifestadas de maneira tímida e algumas vezes indiretas. Contudo, as novas realidades tanto no âmbito global como regional, podem tornar o Brasil, juntamente como Mercosul, mais atrativo aos interesses econômicos e políticos japoneses

Notas
(30) "Primeiro-Ministro japonês no Brasil". Notícias do Japão. Novembro de 1996. p.4.
(31) A missão foi chefiada pelo presidente da Keidanren e da Toyota Motors, Shoichiro Toyoda, contando ainda com a presença ainda de Norio Ohga (presidente da Sony), Minoru Murufushi (presidente da Itochu Corporation), Kuro Suehiro (vice-presidente da Nippon Steel)
(32) FERRARI, Lívia & FANTIN, Elvira. "Imperador do Japão encerra visita ao País". Gazeta Mercantil, 9 de junho de 1997. p. A-5.

7. Considerações finais
Foram enumerados vários elementos da relação nipo-brasileira, e ainda que esteja se abordando o relacionamento entre
a maior economia da América Latina e da Ásia, respectivamente, Brasil e Japão, e que haja sinais de revitalização,
não se pode afirmar com segurança quais serão os resultados neste final de milênio.
Os últimos anos estão sendo marcados por grandes abalos nas estruturas internacionais. O sistema encontra-se
em instabilidade e o aprofundamento da interdependência entre as nações fez com que os problemas e preocupações ultrapassassem os limites das fronteiras do países. Portanto, ainda que se possa dizer que resultados positivos nos seus respectivos processos de ajustes internos desenvolvidos atualmente tanto pelo Brasil como pelo Japão sejam imprescindíveis para o revigoramento das relações entre os dois países. O futuro depende também de soluções aos problemas do sistema como um todo.

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